As fundações voltarão a aplicar em FIPs?

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Mudanças na Resolução 175/22 e na Resolução CMN 4.994/22 seriam necessárias para aumentar a segurança jurídica

Os investimentos dos recursos de fundos de pensão em ativos reais, que podem gerar retornos superiores no longo prazo, fazem todo o sentido do ponto de vista teórico – afinal, as fundações têm objetivos também de longo prazo, a complementação da renda de seus participantes na aposentadoria. Mas, na prática, os maiores fundos de pensão brasileiros se tornaram totalmente avessos aos investimentos em Fundos de Investimento em Participações (FIPs). Alguns consideram que a hora é propícia para mudar essa situação e que, para isso, seria importante discutir mudanças na regulamentação.

“A tendência é que, com a expectativa da redução das taxas de juros, os fundos de pensão tenham que voltar a olhar para produtos estruturados, como os FIPs. Entretanto, a experiência com FIP foi tão traumática para o segmento que a mudança de cenário não depende apenas do mercado. Certamente será preciso que o Estado regulador dê uma “mãozinha”, promovendo alterações tanto da Resolução CMN 4.994 como do Anexo IV da Resolução CVM 175/22, para pavimentar a estrada para investimentos mais seguros”, avalia Lucas Hermeto, sócio do Vieira Rezende Advogados.

Mesmo que Resolução 175/22 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tenha sido saudada por delimitar melhor a responsabilidade dos gestores e dos administradores de recursos, ainda há pontos a aprimorar para que as fundações voltem a investir em FIPs. Hermeto avalia que, embora a Resolução 175/22 tenha criado um ambiente melhor e mais seguro para gestores e administradores, ela tornou mais difícil a responsabilização dos administradores. Isso porque o administrador não tem mais, como no passado, o dever de fiscalizar o gestor. Como antes o administrador (geralmente uma grande instituição financeira) fiscalizava e o gestor (que podia ser de pequeno porte) assumia a responsabilidade solidária, “no fim do dia, se o gestor fizesse alguma besteira, o administrador – que tinha bolso fundo – promoveria o ressarcimento. Isso não ocorrerá mais”, lembra Hermeto. “Então é preciso ter gestores bons e de grande porte.” A questão certamente impacta os fundos de pensão, que têm deveres fiduciários e eventualmente podem ter de processar administradores e/ou gestores para buscar ressarcimento de prejuízos.

Resolução 4.994/22 do CMN 

Para o advogado, também faz sentido que na reforma da Resolução 4.994 do Conselho Monetário Nacional (CMN), que regulamenta como os fundos de pensão podem investir seus recursos, seja dada uma atenção ao processo de escolha dos investimentos das fundações, à escolha dos gestores de seus fundos de investimento. “Além disso, regras mais seguras sobre avaliação de ativos e sobre participação em comitês, por exemplo, seriam bem-vindas.”

Na entrevista abaixo, Hermeto traça um panorama da evolução dos investimentos das fundações nos FIPs e aborda quais normas precisariam ser discutidas para que os fundos voltassem a ter mais segurança jurídica para aplicar em capital de risco.


– Por que as fundações, ao longo do tempo, foram diminuindo os investimentos em Fundos de Investimento em Participações (FIPs)?

Lucas Hermeto: Foram basicamente dois fatores. O primeiro deles está relacionado à alta da taxa de juros, que fez com que o Tesouro e o mercado oferecessem investimentos menos arriscados com retornos atrativos, tornando os investidores, em geral, mais avessos a produtos de renda variável e estruturados  caso dos FIPs).

Mas o principal fator que repeliu as entidades de previdência dos investimentos em FIPs foi o fato de tal produto ter ficado manchado por conta dos prejuízos colossais que diversas fundações experimentaram – em alguns casos, até mesmo por conta de situações fraudulentas. Alguns desses FIPs foram investigados pela CPI dos Fundos de Pensão e por algumas operações criminais (a mais famosa delas, a Operação Greenfield, do Ministério Público Federal). Tornou-se comum, em determinado momento, ver os FIPs nas páginas policiais. A sigla virou tóxica para os fundos de pensão.


– Alguns fundos de pensão vêm pleiteando uma mudança na regulamentação para tornar mais clara a questão da responsabilidade dos administradores dos FIPs. Atualmente, como a regulamentação trata a questão e por que eles consideram que não há segurança jurídica? Qual regulamentação precisaria ser alterada? 

Lucas Hermeto: São duas normas que precisam “conversar”: a norma que regulamenta como os fundos de pensão podem investir seus recursos, que é editada pelo Conselho Monetário Nacional (atualmente, é a Resolução CMN 4.994) e a norma que regulamenta o funcionamento dos FIPs, que é editada pela Comissão de Valores Mobiliários (atualmente, o Anexo Normativo IV, da Resolução CVM 175/22). Essas duas normas devem ser revistas muito em breve.

Além disso, há a norma que regulamenta a responsabilidade pelos atos praticados pelos dirigentes de fundos de pensão, que é a Resolução Previc 23. Essa norma, que é mais recente (de 2023), já deu um importante passo, ao prever a impossibilidade de se responsabilizar o dirigente do fundo de pensão pelos atos praticados de boa-fé (chamados “atos regulares de gestão”). Isso significa que o dirigente não poderá ser responsabilizado apenas por ter feito a entidade investir em um ativo que, no futuro, não deu retorno; se a escolha por aquele investimento resultou de um procedimento refletido e sem conflitos de interesses, o ato será considerado regular, mesmo que acarrete prejuízos. Esse foi o primeiro passo para se alcançar a segurança jurídica necessária para viabilizar novos investimentos em FIPs.

Mas ainda resta modernizar aquelas duas outras normas, tanto a Resolução CMN 4.994 como a Resolução CVM 175/22. E, quanto a isso, não há ainda uma agenda uniforme, da parte dos fundos de pensão, sobre o que precisar mudar, para que eles voltem a investir em FIPs. O que há, certamente, são alguns pontos que foram fonte de problema no passado e que precisariam ser endereçados.

Um exemplo são as regras de avaliação das sociedades que receberão investimentos dos FIPs. A ausência de regras claras sobre como deveria se dar essa avaliação facilitou a superavaliação de diversos ativos, fazendo os fundos de pensão pagarem mais caro para ingressar nos FIPs. Isso foi fonte de muito problema, ao ponto de, em 2016, a CVM editar uma norma específica para avaliação de ativos de FIP (a Instrução CVM 579/16). Essa norma ainda está em vigor, mas ela não foi suficiente a apagar a má fama dos FIPs entre os fundos de pensão. Além disso, a jurisprudência da CVM ainda oscila sobre as fronteiras e os limites da responsabilidade do gestor e do administrador no âmbito das avaliações. É preciso discutir, então, possíveis medidas adicionais para tornar os procedimentos de avaliação mais seguros.

Outro ponto problemático diz respeito aos chamados “comitês de investimento”, que eram órgãos constituídos no âmbito dos FIPs para permitir que os cotistas tivessem alguma participação na escolha e no monitoramento dos ativos do fundo. Diversos fundos de pensão participaram desses comitês, que não se mostraram eficientes para coibir os prejuízos e, em alguns casos, as fraudes. Basicamente, as informações que chegavam ao órgão eram, no geral, camufladas. E o fato de os dirigentes das fundações participarem daqueles comitês é constantemente invocado pelos administradores e gestores para tentar afastar a sua responsabilidade, quando demandados em responsabilização pelos cotistas. Assim, em vez de conferir maior proteção ao investimento, o órgão acabou servindo de pretenso “escudo” de administradores e gestores que falharam em suas funções, dificultando o ressarcimento dos fundos de pensão.


– A nova Resolução da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que rege os fundos de investimento (Resolução 175/22) foi saudada por resolver melhor a questão da divisão de responsabilidade entre administradores e gestores. Ainda assim, persistem pontos de insatisfação por parte das fundações?

Lucas Hermeto: Algumas das principais mudanças da Resolução CVM 175/22, na verdade, vieram para atender a uma demanda, sobretudo, de administradores fiduciários, que julgavam possuir responsabilidades demais de acordo com a norma antiga. Basicamente, são dois os grandes prestadores de serviços de fundos de investimento: o gestor, que escolhe e monitora os ativos do fundo (e, no caso de um FIP, é quem participa do dia-a-dia da sociedade-investida), e o administrador, que cuida das demais atividades para o funcionamento do veículo (como a elaboração de suas demonstrações financeiras).

Com a Resolução CVM 175/22, administradores não terão mais o dever de fiscalizar o gestor, coisa que era prevista na norma antiga. Então, é preciso que fique bem claro: embora a Resolução CVM 175/22 crie um ambiente melhor e mais seguro para gestores e administradores – o que pode ser positivo para movimentar o mercado e aumentar a competitividade e a oferta de bons produtos –, ela tornou mais difícil a responsabilização, principalmente dos administradores.

Isso é bastante relevante e configura ponto de atenção porque, antigamente, era comum ter um FIP cujo administrador fosse uma grande instituição financeira e o gestor, uma “portinha” na Rua Dias Ferreira ou na Faria Lima. Como o administrador tinha que fiscalizar o gestor e assumia responsabilidade solidária por seus atos, no fim do dia, se o gestor fizesse alguma besteira, o administrador – que tinha bolso fundo – promoveria o ressarcimento. Isso não ocorrerá mais.

Então é preciso ter gestores bons e de grande porte. E faz sentido que, sobretudo na reforma da Resolução CMN 4.994/22, seja dada uma atenção ao processo de escolha dos investimentos de fundos de pensão, a quem sejam os gestores de seus fundos de investimento. Além disso, regras mais seguras sobre avaliação de ativos e sobre participação em comitês, por exemplo, seriam bem-vindas.


– Em sua visão, a mudança poderia aprimorar o mercado e levar os fundos de pensão a investir mais em FIPs?

Lucas Hermeto: A tendência é que, com a expectativa da redução das taxas de juros, os fundos de pensão tenham que voltar a olhar para produtos estruturados, como os FIPs. Entretanto, a experiência com FIP foi tão traumática para o segmento que a mudança de cenário não depende apenas do mercado. Certamente será preciso que o Estado regulador dê uma “mãozinha”, promovendo alterações tanto da Resolução CMN 4.994/22 como do Anexo IV da Resolução CVM 175/22, para pavimentar a estrada para investimentos mais seguros. Mas, além disso, será fundamental que os fundos de pensão compreendam a nova dinâmica de responsabilidades que a Resolução CVM 175/22 impôs entre os prestadores de serviços de fundos e saibam que o principal foco de atenção das decisões de investimento passa a ser a figura do gestor, mesmo que o fundo possua um administrador de grande porte (como uma grande instituição financeira).

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