Bioeconomia, Sustentabilidade e Estratégias para o Desenvolvimento à Luz dos Princípios do G20 

Bioeconomia, Sustentabilidade e Estratégias para o Desenvolvimento à Luz dos Princípios do G20 

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  •  7 de novembro de 2025
  •  Artigo

 Confira o artigo de opinião dos economistas Cristina Reis, atual secretária Extraordinária de Mercado de Carbono no Ministério da Fazenda, e Rodolfo Aguiar, pesquisador em Desenvolvimento Sustentável

A crescente gravidade e rápida progressão da crise climática e ambiental exigem um chamado intensificado para iniciativas cooperativas amplas. Nesse contexto, a bioeconomia se destaca como estratégia fundamental, embora seja um conceito controverso, com diversas definições sendo adotadas por diferentes países (Nobre et al., 2023), mas que podem encontrar caminhos conciliatórios de cooperação e florescimento da sustentabilidade. Reconhecendo essa possibilidade, a presidência brasileira do G20 lançou a Iniciativa do G20 sobre Bioeconomia (GIB) e logrou o acordo de 10 Princípios de Alto Nível. As estratégias de bioeconomia concebidas por países e organizações internacionais, em geral, têm sido fundamentadas em visões de sustentabilidade fraca. Esse diagnóstico evidencia a importância de avançar uma agenda baseada em perspectivas do Sul Global para aprimorar soluções alternativas no campo das políticas de bioeconomia.

A principal diferença entre a sustentabilidade fraca e a sustentabilidade forte deriva das hipóteses contrastantes sobre a substitutibilidade do capital natural. A sustentabilidade fraca assume o “paradigma da substitutibilidade” das diferentes formas de capital, onde uma economia é “não sustentável” quando a poupança total é menor que a depreciação dos ativos produzidos e naturais, e assume uma extensão da “regra de Hartwick” considerando que o investimento deve compensar as perdas de ativos para as futuras gerações (Romeiro, 2012). A sustentabilidade forte vê um limite para tal substituição, considerando o problema do crescimento associado ao aumento da escassez relativa do capital natural (Mueller, 2005) – resultando degradação ambiental – e que não há garantias de que a hipótese da substituição seja uma estratégia vantajosa para as gerações futuras, pois ela é limitada por características ambientais como irreversibilidade, incerteza e componentes “críticos” para o bem-estar e a possibilidade de vida na Terra (Godin et al., 2022).

No Brasil o modelo da bioeconomia da sociobiodiversidade é representado por propostas que buscam concretizar a visão bioecológica, baseada na utilização sustentável da biodiversidade para apoiar e desenvolver uma economia enraizada nas comunidades locais.  Neste artigo discute-se que este conceito foi o da proposta da presidência brasileira no G20, partilhando do entendimento de que é preciso dar um passo além do sentindo convencional de sustentabilidade ambiental em direção a um mais amplo e diverso, coerente com sustentabilidade forte.

Visões Sobre e a Bioeconomia, com a contribuição brasileira

O sentido convencional do conceito de bioeconomia está associado à chamada economia verde (Trigo et al., 2013), concebida como um tipo de economia que visa aumentar a renda e melhorar o bem-estar humano, ao mesmo tempo em que reduz significativamente os riscos ambientais e a escassez ecológica (UNEP, 2011). Essa construção da bioeconomia reflete a predominância de duas das três visões identificadas na literatura (Bugge et al., 2016), ambas consideradas abordagens de sustentabilidade fraca: (i) a visão biotecnológica, que enfatiza a importância da pesquisa, aplicação e comercialização da biotecnologia em diferentes setores da economia; e (ii) a visão dos biorrecursos, que foca no papel da pesquisa e desenvolvimento (P&D) relacionados a matérias-primas biológicas em setores como agricultura, marinha, florestal e bioenergia, bem como no estabelecimento de novas cadeias de valor e na ênfase no potencial de valorização e conversão de matérias-primas biológicas; e (iii) a visão bioecológica, que destaca a importância de processos ecológicos que otimizam o uso de energia e nutrientes, promovem a biodiversidade e evitam monoculturas e degradação do solo, baseia-se nos fundamentos da economia ecológica e é vista como uma abordagem de sustentabilidade forte.

A adoção de estratégias nacionais dedicadas à bioeconomia tem sido relativamente lenta na América Latina e no Caribe, apesar do desenvolvimento de diversas políticas relacionadas ao tema. Países como Argentina, Brasil, Colômbia, Equador, Guatemala, Porto Rico e Uruguai vêm trabalhando na formulação de políticas para a bioeconomia, mas, até o momento, a Costa Rica é o único país que publicou uma estratégia nacional específica para a bioeconomia, lançada em 2020 (Dietz et al., 2024). A definição de bioeconomia assumida nessas estratégias determina sua escala, seu escopo e o valor atribuído por diferentes atores (Meyer, 2017). A região apresenta diferentes questões socioeconômicas que precisam ser consideradas em seu contexto, como a questão agrária, que possui uma dimensão própria (Siegel et al., 2022).

As discussões brasileiras sobre bioeconomia têm se concentrado predominantemente em biorrecursos, especialmente vinculados a indústrias de grande escala, como a produção de bioetanol (Scheiterle et al., 2018). Entretanto, uma mudança recente trouxe atenção para uma bioeconomia baseada em produtos florestais na Amazônia brasileira, com foco tanto em produtos madeireiros quanto não madeireiros (Teitelbaum et al., 2020).

Essa abordagem é vista como tendo grande apelo empresarial, com vasto potencial econômico na manufatura de produtos da Floresta Amazônica. No entanto, dados do mercado de crédito para a Região Norte do Brasil – onde se concentra a maior parte da Amazônia brasileira – em geral, mostram volume e penetração inferiores à média nacional, bem como uma participação menor do que a representatividade da região no PIB, embora tenha havido crescimento significativo nos últimos anos (Pamplona et al., 2021).

Tal contraste fica evidente quando do exame do estado da pesquisa em bioeconomia no Brasil (CGEE, 2021). A maioria dos estudos sobre bioeconomia concentra-se no setor energético, especialmente em biocombustíveis e técnicas agrícolas do setor sucroalcooleiro, com destaque também para o reaproveitamento de resíduos, predominando pesquisas de instituições do Sudeste. Contudo, a presença de um núcleo de pesquisa sobre a Amazônia e serviços ecossistêmicos evidencia um foco crescente na bioeconomia da biodiversidade, que começa a ser estendido também aos outros biomas brasileiros.

Para aproveitar plenamente o potencial da bioeconomia, é fundamental desenvolver produtos e serviços financeiros adaptados às necessidades de cada perfil institucional e de cada etapa das cadeias de valor, assegurando que a população local possa reter uma parcela maior do valor agregado. Atualmente, no Brasil e em outros países do Sul Global, muitas comunidades dos biomas operam em sistemas nos quais as matérias-primas são vendidas e o valor é majoritariamente agregado em outras regiões (Pamplona et al., 2021).

Também o financiamento da bioeconomia enfrenta problemas como o baixo interesse de investidores privados devido à escala limitada, restrições sobre conhecimentos tradicionais e condições de mercado desfavoráveis agravadas por subsídios a combustíveis fósseis. As desigualdades econômicas e políticas desempenham papel crítico nesse processo, pois muitos atores carecem de recursos e oportunidades para influenciar as visões sobre a bioeconomia (Siegel et al., 2022).

Ainda, a bioeconomia representa uma fronteira promissora de inovação, com oportunidades significativas de colaboração entre academia e setor empresarial. Há de se enfrentar o desafio de definir métricas e padrões para monitorar a transição para a bioeconomia, avaliar seus impactos e garantir que os benefícios da inovação sejam difundidos localmente. Dessa maneira, a bioeconomia pode se tornar fundamental para o desenvolvimento do Brasil e do Sul Global, aliando conservação ambiental à transformação econômica.

Discussão final: Sustentabilidade forte e os Princípios de Alto Nível do G20

A GIB veio para fomentar o diálogo e a cooperação internacional, com foco em três áreas temáticas: pesquisa e inovação, uso sustentável da biodiversidade e o papel da bioeconomia no desenvolvimento sustentável (GIB, 2024a). Assim, a GIB pôde delinear um arcabouço estratégico e prioridades-chave para promover a bioeconomia no âmbito do G20, reconhecendo-a como caminho crucial para enfrentar desafios globais como mudança climática, pobreza e escassez de recursos.

Tabela 1: Princípios de Alto Nível do G20 sobre Bioeconomia

1. Integrar e promover o desenvolvimento sustentável em suas dimensões econômica, social e ambiental, contribuindo para erradicar a fome e a pobreza, melhorar a saúde e o bem-estar, assegurando a segurança alimentar global.
2. Ser inclusivo e equitativo, garantir os direitos de todas as pessoas, incluindo povos indígenas e membros de comunidades locais, promover a igualdade de gênero e a participação de todas as partes interessadas.
3. Avançar nos esforços de mitigação e adaptação às mudanças climáticas globais, em conformidade com acordos multilaterais aplicáveis.
4 Contribuir para a conservação da biodiversidade, uso sustentável de seus componentes e repartição justa dos benefícios de recursos genéticos e conhecimentos tradicionais, conforme as legislações nacionais e acordos internacionais aplicáveis.
5. Promover o consumo e a produção sustentáveis e circulares, bem como o uso eficiente dos recursos biológicos, promovendo a restauração e regeneração de áreas e ecossistemas degradados.
6. Ser desenvolvida por meio do uso seguro, responsável e ético da ciência, tecnologia, inovação e conhecimento tradicional, com potenciais benefícios, riscos e impactos avaliados cientificamente.
7. Beneficiar-se de estruturas políticas robustas e coerentes que favoreçam à bioeconomia o comércio de produtos e serviços, condições de mercado, modelos de negócios sustentáveis, empregos decentes, criação de valor local e participação do setor privado e da sociedade civil.
8. Utilizar critérios transparentes, comparáveis, mensuráveis, inclusivos, baseados na ciência e específicos para o contexto, a fim de avaliar a sustentabilidade das cadeias de valor bioeconômicas.
9.  Fomento através da colaboração e da cooperação internacional que aborde desafios globais, aproveite forças complementares, inovação, empreendedorismo, financiamento e partilha de melhores práticas.
10. Ser baseada em abordagens específicas para cada país e implementada de acordo com as prioridades nacionais e circunstâncias regionais e locais.

Na GIB definiu-se Bioeconomia como “um sistema econômico que utiliza recursos biológicos renováveis para produzir bens, serviços e energia de forma sustentável e eficiente. Representa uma mudança em relação à economia tradicional, linear, baseada em combustíveis fósseis e matérias-primas finitas” (GIB, 2024b). Com a assunção dos Princípios de Alto Nível definidos pela GIB do G20 (tabela 1), abriu-se uma grande oportunidade para a agenda internacional da bioeconomia.

Os princípios permitem novos passos para alcançar a sustentabilidade forte ao elencar o problema da conservação da biodiversidade, uso sustentável de seus componentes, crucialidade dos saberes tradicionais e da biotecnologia, repartição justa dos benefícios dos recursos relacionados e soberania sobre as escolhas estratégicas de bioeconomia em cada país, aliando-as à superação de dificuldades estruturais como a fome e a pobreza.

Tais princípios, que ao nosso ver estão orientados por dimensões de sustentabilidade forte, podem auxiliar na elaboração das estratégias de políticas de bioeconomia, através da definição de objetivos claros e de resultados esperados. Logo, apontam para novas trajetórias de desenvolvimento sustentável, que ensejam oportunidades únicas para os países do Sul Global estabelecerem novos nichos de mercado e de inserção em cadeias de valor, garantindo o fortalecimento de suas estruturas produtivas e redução de desigualdades.

Referências Bibliográficas

Bugge, M.M., Hansen, T., Klitkou, A., 2016. What is the bioeconomy? A review of the literature. Sustain. 8. https://doi.org/10.3390/su8070691

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Dietz, T., Bogdanski, A., Boldt, C., Börner, J., von Braun, J., Ní Choncubhair, Ó., Durham, B., Ecuru, J., Lang, C., Li, Y., Lund, M., MacRae, E., Maxon, M., Chavarría Miranda, H., Mizunashi, W., Mungeyi, P., Pittaluga Fonseca, L., Popov, V., Regúnaga, M., Rodríguez, A., Teitelbaum, L., Barcelos Vargas, D., 2024. Bioeconomy globalization: Recent trends and drivers of national programs and policies A report by the International Advisory Council on Global Bioeconomy (IACGB) April 2024.

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Meyer, R., 2017. Bioeconomy strategies: Contexts, visions, guiding implementation principles and resulting debates. Sustain. 9. https://doi.org/10.3390/su9061031

Mueller, C.C., 2005. O debate dos economistas sobre a sustentabilidade: uma avaliação sob a ótica da análise do processo produtivo de Georgescu-Roegen. Estud. Econômicos (São Paulo) 35, 687–713. https://doi.org/10.1590/s0101-41612005000400004

Nobre, C.A., Feltran-Barbieri, R., de Assis Costa, F., Haddad, E.A., Schaeffer, R., Domingues, E.P., Genin, C., Szklo, A., Lucena, A.F.P., Fernandes, D.A., Silva, H., Ventura, R., Folhes, R.T., Fiorini, A.C.O., Rocha, A.M., Santos, A.J.L., da Rocha Klautau Junior, A.B., Magalhães, A.S., Vinhoza, A., Vianna, A.L.M., Bassi, A.M., Abelém, A.J.G., Baniwa, B., Felin, B., Callegari, C.L., Blener, C., da Costa Oliveira, C.H., Branco, D.C., Castro, E.C.C., Pantoja, E., Vasquez-Arroyo, E., Perobelli, F.S., Apurinã, F., Pisa Folhes, G., da Silva, G.N., Savian, G., Pallaske, G., Angelkorte, G.B., Branco, G.C., Martins, H., Wei, H.K., Vicente, I., Araújo, I.F., Santos, I.T., Cardoso, J., Ferreira, J.F., Pereira, J.P., Sá, J.D.M., Buzati, J., Sass, K.S., de Souza, K.B., Barbosa, L., Garrido, L., de Souza, L.M.M., Soares, L.R., Ferraz, L.P., Carvalho, L.S., Lanaro, L., Alves, L., Baptista, L.B., Guzzetti, M., Enriquez, M.A., Mury, M.E.S., Império, M., Oliveira, M., Lopes, M.P.C., Lobato, M.G.S., Salomon, M., Rampini, P.F.C., Rochedo, P.R.R., Guerra, R., Reis, R.R.S., Barreiros, R.M.M., Morais, T.N., do Prado Tanure, T.M., Carvalho, T.S., Simonato, T.C., Barbosa, V., 2023. New Economy for the Brazilian Amazon. World Resour. Inst. https://doi.org/10.46830/wrirpt.22.00034en

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Scheiterle, L., Ulmer, A., Birner, R., Pyka, A., 2018. From commodity-based value chains to biomass-based value webs: The case of sugarcane in Brazil’s bioeconomy. J. Clean. Prod. 172, 3851–3863. https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2017.05.150

Siegel, K.M., Deciancio, M., Kefeli, D., de Queiroz-Stein, G., Dietz, T., 2022. Fostering Transitions Towards Sustainability? The Politics of Bioeconomy Development in Argentina, Uruguay, and Brazil. Bull. Lat. Am. Res. https://doi.org/10.1111/blar.13353

Teitelbaum, L., Boldt, C., Patermann, C., 2020. Global Bioeconomy Policy Report (IV): A Decade of Bioeconomy Policy Development Around the World. GBS.

Trigo, E.J., Henry, G., Sanders, J., Schurr, U., Ingelbrecht, I., Revel, C., Santana, C., Rocha, P., 2013. Towards bioeconomy development in Latin America and the Caribbean (No. 1).

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