Entenda como processo da AGU pode gerar um retrocesso de 8 anos

Entenda como processo da AGU pode gerar um retrocesso de 8 anos

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Especialistas alertam que a ADC 98 pode restabelecer a cobrança de imposto sobre imposto, contrariando a própria lógica da Reforma Tributária

Reinaldo Rinaldi
8 de Outubro 20h02

Em um cenário jurídico e econômico já complexo, a Advocacia-Geral da União (AGU) protocolou junto ao Supremo Tribunal Federal a Ação Declaratória de Constitucionalidade 98. Este movimento reacende um debate crucial sobre a base de cálculo do PIS e da Cofins, buscando validar a inclusão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto sobre Serviços (ISS) na base desses tributos federais. A iniciativa tem gerado apreensão no mercado e levantado questões profundas sobre a segurança jurídica e a previsibilidade fiscal no Brasil, com a discussão central residindo na definição do que constitui “receita” para fins de tributação, um conceito que o STF já havia pacificado em 2017.

A ADC 98 não é apenas um litígio isolado. Ela representa uma tentativa de reverter um entendimento consolidado que beneficiou milhares de contribuintes e que, para muitos especialistas, alinhou a interpretação tributária à realidade econômica das empresas. Ao propor a reintrodução de valores que não representam acréscimo patrimonial efetivo na base de cálculo de PIS e Cofins, a AGU não apenas ameaça gerar um custo adicional bilionário para o setor produtivo, mas também coloca em xeque a própria estabilidade das decisões judiciais e o espírito de simplificação que a reforma tributária prometeu.

O cerne da controvérsia

A discussão sobre a inclusão do ICMS e do ISS na base de cálculo do PIS e da Cofins não é nova, mas a ADC 98 a traz de volta ao centro do debate jurídico-tributário. PIS e Cofins são contribuições federais que incidem sobre o faturamento das empresas, destinadas ao financiamento da seguridade social. A controvérsia surge na interpretação do que, de fato, compõe esse “faturamento” ou “receita bruta”. Em 2017, o STF, no julgamento do Recurso Extraordinário 574.706/PR (Tema 69 da Repercussão Geral), proferiu a chamada “tese do século”, decidindo pela exclusão do ICMS da base de cálculo dessas contribuições. O fundamento foi claro: o ICMS não constitui receita própria da empresa, mas sim um valor que apenas transita por seu caixa para ser repassado ao Estado, não representando, portanto, um acréscimo patrimonial definitivo.

Marco Behrndt, sócio da área de Tributário do Machado Meyer, explica a essência da ADC 98:

Ele complementa que a relevância da ação é “grande, porque pretende reverter ou restringir os efeitos do Tema 69, que afastou o ICMS da base de cálculo dessas contribuições, e atinge outras discussões bilionárias ainda pendentes, como a inclusão do ISS, dos créditos presumidos de ICMS e do próprio PIS/Cofins em suas bases.” A decisão de 2017 consolidou o entendimento de que o ICMS, por não ser receita ou faturamento da empresa, não deveria compor a base de cálculo, um raciocínio que se espera ser aplicado também ao ISS, embora a discussão sobre este último ainda esteja pendente de julgamento.

Impactos imediatos e a insegurança jurídica

Caso a ADC 98 seja acolhida pelo STF, os impactos para as empresas seriam imediatos e severos. A reintrodução do ICMS e do ISS na base de cálculo do PIS e da Cofins significaria, na prática, a cobrança de “imposto sobre imposto”, elevando a carga tributária de forma substancial. A estimativa é de um custo adicional bilionário para o mercado brasileiro, afetando diretamente o fluxo de caixa e a competitividade de diversos setores, especialmente aqueles com margens de lucro já apertadas.

Luiz Gustavo Bichara, sócio conselheiro e especialista em Direito Tributário do Bichara Advogados, destaca o risco iminente:

Essa suspensão de processos e decisões favoráveis aos contribuintes criaria um limbo jurídico e financeiro para milhares de empresas, contrariando o princípio da confiança legítima e desestimulando investimentos. Matheus Holanda, advogado da área de Tributário do Machado Meyer, reforça essa preocupação:

Os setores mais vulneráveis a essa mudança seriam a indústria, o comércio e os serviços, que lidam com um grande volume de operações sujeitas a ICMS e ISS. A reintrodução desses tributos na base de cálculo do PIS e da Cofins aumentaria desproporcionalmente a carga tributária desses segmentos, distorcendo margens e prejudicando a competitividade, especialmente em cadeias produtivas longas ou com forte presença de incentivos fiscais estaduais.

O retrocesso e a contradição com a reforma tributária

Mais do que um impacto financeiro, a ADC 98 representa um retrocesso institucional e uma contradição flagrante com o espírito da reforma tributária. A reforma, aprovada recentemente, busca simplificar o sistema e, expressamente, veda a incidência de tributo sobre tributo a partir de 2027. A tentativa da AGU de reverter um entendimento consolidado vai na contramão dessa simplificação e racionalização.

Marco Behrndt é enfático ao classificar a ação como um retrocesso:

Luiz Gustavo Bichara corrobora, apontando a incoerência:

Jerry Levers de Abreu, sócio da área tributária do Demarest, complementa, ressaltando o conflito com o novo modelo:

O aumento da judicialização e o dilema nacional

A validação da tese defendida pela AGU na ADC 98 tem o potencial de gerar um novo ciclo de litígios tributários, contrariando o objetivo declarado de pacificar disputas. Marco Behrndt alerta para esse risco:

“Caso o Supremo acolha a tese da União, haverá um novo ciclo de litígios tributários. A decisão reabriria discussões que o próprio STF já havia pacificado no Tema 69, incentivando empresas a contestar a constitucionalidade da interpretação ampliada de receita”.

Em vez de reduzir a insegurança jurídica, a ADC 98 pode intensificar o contencioso tributário, especialmente em um momento de transição para um novo modelo tributário. O dilema é claro: como equilibrar a necessidade de arrecadação do Estado com a previsibilidade fiscal e a competitividade das empresas em um país que já possui uma das cargas tributárias mais complexas do mundo?

A solução mais equilibrada, segundo Matheus Holanda, passa por “respeitar a delimitação constitucional já fixada pelo STF, preservando o conceito de receita como ingresso definitivo no patrimônio do contribuinte.” Eventuais ajustes de arrecadação deveriam ser tratados no âmbito da Reforma Tributária, de forma transparente e estrutural, e não por ações declaratórias de constitucionalidade com viés arrecadatório. A ADC 98, portanto, não é apenas uma questão técnica; é um teste para a estabilidade do sistema jurídico-tributário brasileiro e para a capacidade do país de construir um ambiente de negócios mais previsível e justo.

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