“Crise climática não se resolve com mais capitalismo”

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Vinicius Pereira
Em entrevista, filósofo e professor da Universidade de Tóquio, Kohei Saito, diz que sistema leva planeta ao caos climático, critica ambições verdes de países ricos e defende o decrescimento.

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O professor da Universidade de Tóquio e filósofo Kohei Saito “Enquanto o capitalismo continuar, a expansão infinita da economia continuar, haverá sério problemas ecológicos”, afirma Kohei SaitoFoto: Erika Shimamoto/BoitempoA atual fase do capitalismo, em que a busca pelo crescimento constante é baseada na produção e no consumo desenfreado, faz com que o planeta dê sinais de esgotamento, desaguando na atual crise climática, segundo o professor da Universidade de Tóquio e filósofo japonês Kohei Saito.

Autor do livro O Capital no Antropoceno (Boitempo Editorial), que está sendo lançado no Brasil e já vendeu mais de 500 mil unidades pelo mundo, Saito analisa como o filósofo alemão Karl Marx previu a atual crise do meio ambiente e critica algo comum no Brasil: os “verdes” que, segundo ele, tentam instituir práticas sustentáveis ínfimas – como o uso de ecobags – para fugir da realidade climática.

Para o professor, só um novo sistema, pautado pelo decrescimento econômico, com a produção social e a partilha da riqueza como objetivo central, é capaz de reparar os danos causados até aqui.

Em entrevista à DW, ele também critica planos econômicos verdes de países ricos por ver neles um potencial destrutivo para o resto do planeta.

“Especialmente em países como na América Latina, haverá mais extração de minerais, como o lítio. O capitalismo verde trará mais exploração de recursos naturais, mais exploração forçada sob o nome de ESG”, enumera, referindo-se ao acrônimo do mundo corporativo que diz respeito à observância de padrões ambientais, sociais e de governança por uma empresa.

“Foi isso que Marx criticou: o perigo do capitalismo. Enquanto o capitalismo continuar, a expansão infinita da economia continuar, haverá sério problemas ecológicos.”

DW: No começo do livro, o senhor critica quem usa “ecobags, reduz o consumo de embalagens ou troca o carro a combustão por um elétrico”. Por que a crítica?

Kohei Saito: Essas atitudes simplesmente não são suficientes para realmente mudar a situação da crise climática, que é muito séria. É uma das maiores crises que a humanidade enfrentou na história, e muitas pessoas vão morrer por isso.

Quando você tem uma ecobag ou recicla alguns plásticos, você se sente bem. Acha que fez algo bom para o meio ambiente, é reconfortante, mas o problema é que esse tipo de atitude se tornou uma justificativa para continuar com o que nos trouxe aqui. Empresas produzem alguns produtos ecológicos, usam essa boa imagem, mas isso só é feito para vender mais produtos.

O importante é dizer que estamos, simplesmente, consumindo e produzindo demais. Ninguém fala sobre reduzir o consumo. Acho que não podemos esquecer que o problema é muito maior e, por isso, precisamos repensar esse sistema capitalista, que requer expansão constante da produção e consumo massivo apenas para manter nosso sistema funcionando.

O livro busca fazer uma leitura do nosso tempo e da urgência climática através da obra do alemão Karl Marx. Como Marx via essa crise que se desenha e o capitalismo?

Marx é frequentemente entendido como alguém que critica o capitalismo, principalmente a exploração da classe trabalhadora e a desigualdade do sistema. O problema é que frequentemente os socialistas que o estudam falam apenas sobre como podemos substituir o capitalismo por um sistema no qual essas novas tecnologias e as forças produtivas possam criar uma sociedade melhor, onde todos podem ser como capitalistas, sem exploração, mas com o mesmo padrão de consumo.

Eu acho problemática essa leitura de Marx. Quando passei a estudá-lo, prestei também atenção à ecologia. Problemas ecológicos no capitalismo são óbvios, segundo ele, dado que a tecnologia e qualquer inovação são criadas apenas para gerar mais lucro.

De acordo com Marx, humanos e natureza têm esse tipo de interação metabólica, mas o capitalismo é sempre maior e mais rápido. Por isso nós produzimos e vendemos mais, sem levar em consideração a sustentabilidade dos recursos naturais, fazendo com que essa interação tenha problemas, fazendo com que alguma discrepância apareça. Foi isso que Marx criticou: o perigo do capitalismo. Enquanto o capitalismo continuar, a expansão infinita da economia continuar, haverá sério problemas ecológicos.

O senhor cita o “decrescimento no sistema capitalista” como solução do problema. O que seria isso?

Hoje até os capitalistas estão cientes desse problema, dado que a mudança climática também os afeta. Então, agora, as pessoas falam sobre como descarbonizar a economia, mas também em como manter o capitalismo, porque capitalismo sem crescimento é um desastre.

Nosso atual sistema é baseado na suposição de que a economia crescerá no ano que vem. Então, o que eles fazem agora? Falam sobre investir mais em tecnologia verde, energia renovável, etc. Acreditam que é possível fazer a economia crescer, criar mais empregos investindo nessas novas fábricas, mas também descarbonizar ou reduzir a emissão de carbono ao mesmo tempo.

O problema é que, se tentarmos crescer mais, ainda temos que produzir mais veículos elétricos. E isso significa que também precisamos de mais energia renovável: mais painéis solares, mais turbinas eólicas, mais baterias e assim por diante. Isso também requer mais recursos e energia.

E por que isso é necessariamente ruim?

Precisamos de uma rápida descarbonização nos próximos 20 ou 30 anos. Temos um limite de tempo. Então, se produzirmos mais, isso não é bom. Talvez devêssemos reduzir algumas coisas desnecessárias.

Especialmente em países como na América Latina, haverá mais extração de minerais, como o lítio. O capitalismo verde trará mais exploração de recursos naturais, mais exploração forçada sob o nome de ESG.

É por isso que eu critico o “Green New Deal” americano. Ele é obviamente bom para os trabalhadores nos Estados Unidos, mas ruim para muitas pessoas neste planeta. Não é algo universalizável para que todos possam ser como os americanos. Isso é óbvio. Então eu acho que essa não é uma boa estratégia. Se você realmente se importa com a vida de todos, é necessário imaginar uma política melhor.

E como ficam os países mais pobres?

Não estou defendendo que deveríamos simplesmente permanecer no nível atual de desenvolvimento. Obviamente, os países pobres precisam de mais desenvolvimento. E também acredito que no Brasil há muitos lugares que precisam de mais infraestrutura, como estradas, eletricidade, água e esse tipo de coisa.

Mas mais produção e mais crescimento não resolvem o problema, porque pessoas ricas simplesmente pagarão mais e continuarão com seus iates, jatos, carros, gigantescos, casas e seu consumo excessivo.

Talvez o futuro seja uma sociedade mais igualitária com foco em sustentabilidade e democracia, nos concentrando mais em uma educação satisfatória, assistência médica, transporte público, ar limpo.

Ao final do livro, o senhor cita que 3,5% das pessoas podem fazer a diferença na atual crise. Pode explicar isso melhor?

Geralmente achamos que precisamos de mais de 50% das pessoas envolvidas para mudar algo, mas isso não é necessário. Há um estudo de uma professora de Harvard, chamada Erica Chenoweth, que demonstra que angariar 3,5% é o suficiente, caso elas estejam realmente envolvidas.

Em uma forma pacífica e não violenta, são 3,5% que se levantam para mudar algo. A sociedade mudou e mudará. Então, espero que o aprofundamento das mudanças climáticas, com o aprofundamento da crise do capitalismo, muitas pessoas vejam que nosso sistema atual é irracional, e que 3,5% delas se levantem e busquem alterar essa situação ao invés de simplesmente usarem sua ecobag ou reciclarem algumas garrafas pet.

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