Proibir o plástico descartável é solução?

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Stuart Braun

África avança no combate ao plástico de uso único, com a adoção de leis coibitivas rigorosas pela Nigéria. Porém medidas só valem como parte de estratégia mais abrangente. Ambientalistas reivindicam proibição global.

Coletores de lixo em aterro sanitário de Lagos, Nigéria Aterro sanitário em Lagos, NigériaFoto: Sunday Alamba/AP/picture alliance ANÚNCIO
Em janeiro de 2024, a Nigéria se tornou mais um, entre vários países africanos, a declarar luta contra a alarmante crise global dos resíduos tóxicos, ao dar partida à proibição gradual aos artefatos de plástico descartáveis de uso único e tornar ilegais as embalagens de isopor.

Pelo menos 34 nações do continente já baniram diversas formas do material 99% proveniente de combustíveis fósseis corresponsáveis pelas mudanças climáticas globais. A primeira foi Ruanda, em 2008, ao interditar o uso de sacolas e garrafas plásticas de uso único: o grau de limpeza das ruas da capital Kigali é um barômetro do sucesso da medida.

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Enquanto isso, nos Estados Unidos, as proibições em apenas cinco estados e cidades já reduziram o uso de sacolas em 6 bilhões de unidades por ano. A União Europeia tornou ilegais os canudinhos de plástico e recipientes de comida para viagem, entre muitos outros objetos.

No entanto especialistas advertem: tais medidas só têm sentido como parte de uma estratégia maior de abandonar a cultura do descarte, e é preciso coibir a necessidade tóxica do plástico, a fim de evitar que sua produção tenha triplicado até 2050, como indicam diversas projeções.

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Na Nigéria praticamente não existe uma gestão do lixo plástico, registra Temitope O. Sogbanmu, professora de ecotoxicologia e conservação da Universidade de Lagos. Ao encher as ruas e esgotos das metrópoles, causando inundações, o plástico descartável é uma ameaça que se estende até as comunidades litorâneas e polui habitats marinhos. Entre os piores malfeitores está o isopor usado para embalar alimentos.

Devido à ausência de uma infraestrutura de coleta e reciclagem, só restou a interdição radical como opção viável para conter o problema. Para Hellen Kahaso Dena, do Projeto Pan-Africano do Plástico, promovido pela Greenpeace regional, trata-se de “um passo na direção certa”. Ela se dedica a campanhas de esclarecimento sobre o impacto da poluição plástica na saúde e meio ambiente das comunidades marginalizadas.

Três mulheres em montanha de garrafas plásticas
Bangladesh também luta com suas montanhas de lixo plásticoFoto: Joy Saha/ZUMA Wire/IMAGO

Contudo, apesar de grande apoio entre os ambientalistas, esse novo combate ao isopor na capital nigeriana também provocou um número considerável de críticas: os vendedores de comida das feiras afirmam estar sofrendo prejuízos e exigem do Estado que ofereça alternativas.

Sogbanmu concorda que as alternativas biodegradáveis de embalagem “devem ser apoiadas e subvencionadas pelo governo”, de modo a ser economicamente acessíveis e disponíveis em ampla escala. A implementação de qualquer proibição do plástico precisa tanto de ação legislativa “de cima para baixo” quando de consulta e educação “de baixo para cima”, sobretudo entre a ampla população jovem do país, explica a toxicóloga.

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No caso de Ruanda, o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas avaliou em novembro que o engajamento cidadão foi crucial para o esforço de “manter a limpeza, reduzir a poluição e oferecer alternativas aos plásticos, a fim de tornar a visão em realidade”. Nesse ínterim, o governo cooperou com seus parceiros noruegueses para implementar o Tratado Global para Eliminar a Poluição Plástica até 2040, indicando um comprometimento de longo prazo para erradicar os derivados de petróleo.

A disponibilidade do isopor diminuiu significativamente em Lagos depois da entrada em vigor da interdição, observa Weyinmi Okotie, líder da campanha de energia da aliança global por alternativas à incineração Gaia e do movimento Break Free From Plastics Africa (BFFP). Ele atribui o fato ao medo das penas de prisão.

Necessidade de alternativas ao plástico economicamente acessíveis

Mas ameaças nem sempre têm funcionado na África. Em 2017 o parlamento do Quênia aprovou a proibição das sacolas plásticas; entretanto, sete anos mais tarde, essa forma de embalagem continua onipresente nos mercados de todo o país.

Dorothy Otieno, diretora de programas do Centro de Justiça Ambiental e Desenvolvimento queniano, relata que a indústria local de plástico, que se opunha à lei, simplesmente transferiu suas operações para a vizinha Uganda, onde não há restrições. Mantendo “conexões” com o Quênia, os fabricantes conseguem reintroduzir as sacolas de plástico no comércio, ajudados pela permeabilidade da fronteira, que favorece o comércio ilegal.

Otieno explica que, embora tanto vendedores quanto compradores sejam passíveis de prisão e de uma multa de 4 milhões de shillings quenianos (R$ 145,2 mil ou 26,3 mil euros), o custo baixo ainda atrai os consumidores de baixa renda, impossibilitados de pagar as alternativas mais caras e necessitados de maior esclarecimento sobre a necessidade de limitar o uso dos materiais fósseis.

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Para Sogbanmu, essa inviabilidade de fazer as comunidades adotarem a interdição do plástico também ilustra como é necessário de introduzir a medida gradualmente. Ela lembra que 60 milhões de sachês d’água são consumidos e descartados a cada dia na Nigéria, porém proibi-los seria inútil, a menos que antes se implemente uma solução para suprir a demanda de água potável.

A interdição de plásticos descartáveis na Índia, em 2022, também fracassou inicialmente, devido em parte à falta de alternativas praticáveis e à poderosa influência do setor industrial, apontam especialistas. Assim como na UE, onde o banimento do plástico descartável vale para todos os Estados-membros, na África a cooperação e integração poderia ser um meio de tornar as proibições mais eficazes.

Na opinião de Temitope Sogbanmu, contudo, a solução definitiva é o banimento global. Um acordo nesse sentido está sendo negociado no momento e, caso ratificado, poderá reduzir a poluição plástica mundial em 80% até o ano 2040.

Fonte : DW

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