Economista Luiz Alberto Machado escreve: Lições de viagem: Chile e Argentina

Economista Luiz Alberto Machado escreve: Lições de viagem: Chile e Argentina

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Luiz Alberto Machado[1]

 

O Chile, que no recém-divulgado Relatório de Desenvolvimento Humano 2021/2022[2], aparece como o grande destaque da América do Sul[3], foi um dos países que menos tive oportunidade de visitar no referido continente. Estive lá apenas uma vez, disputando um torneio pan-americano de basquete veterano em 2002. O torneio realizou-se em Viña del Mar e tive tempo apenas de dar uma passada muito rápida em Valparaíso, Santiago e Portillo. A Argentina, ao contrário, foi o país sul-americano que mais vezes visitei, embora tenha me limitado a Buenos Aires em quase todas elas.

 

Nesse sentido, foi com enorme interesse e expectativa que me juntei a três vizinhos[4] para uma viagem de carro aos dois países, num percurso de aproximadamente 10.000 km num período de vinte dias.

 

Embora tenha atravessado a fronteira em Foz do Iguaçu e pernoitado em Corrientes e Salta nas duas primeiras noites, a viagem começou a despertar real interesse na viagem de Salta para São Pedro do Atacama. Além das excelentes estradas (nesse aspecto as do Chile superam as da Argentina), paisagens espetaculares em altitudes superiores a 4.000 eram um prenúncio do que seria visto na região do Atacama.

 

E não deu outra. Sobrevivendo basicamente do turismo, em especial de brasileiros, o lugar é encantador. A região se constitui na terceira maior área desértica do mundo, porém a elevada altitude dá à paisagem um toque especial, combinando clima seco, uma temperatura que oscila acentuadamente durante o dia e um vento que, em alguns lugares e momentos, é de arrepiar.

 

Difícil indicar a mais espetacular entre tantas atrações: do Valle de La Luna, onde foram rodados trechos de Guerra nas Estrelas[5] por sua semelhança com a paisagem lunar; passando pelos gêiseres de Tatio; pelas lagoas altiplâncas; pelos banhos em águas termais; ou pelos inúmeros salares, cada um deles habitado por animais típicos como guanacos, vicunhas, lhamas, flamingos e outros pássaros que conseguem se adaptar às condições climáticas locais.

 

Ainda extasiado com as belezas do Atacama, peguei a estrada em direção ao sul.

 

Depois de mais de seis horas de paisagem absolutamente desértica (cuja única atração é a escultura “Mano del Desierto”, na Rodovia Panamericana, cerca de 75 km ao sul de Antofagasta, esculpida por Mario Irarrázabal, o mesmo arquiteto da conhecida “Los Dedos”, em Punta del Este, no Uruguai), cheguei a Copiapó, localidade em que aconteceu o soterramento de 33 mineiros chilenos, esplendidamente mostrado no filme Os 33[6], que tem no elenco, entre outros, Antonio Banderas, Juliette Binoche e o brasileiro Rodrigo Santoro.

 

Além das ótimas rodovias, chamaram atenção as plantas fotovoltaicas repletas de placas de energia solar e os enormes cataventos geradores de energia eólica espalhados em diversos trechos da estrada e a numerosa quantidade de bandeiras do Chile, desfraldadas em casas, empresas, organismos como postos de gasolina (raros), postos policiais e canteiros de obras.

 

Viña del Mar, que eu havia visitado há 20 anos, me surpreendeu pelo crescimento verificado ao longo desse período, sobretudo no que se refere ao surgimento de edifícios de alto padrão na região que se estende pelas praias de Reñaca e Con Con. Novos shopping centers e restaurantes próximos ao Cassino também chamaram a atenção, dando à cidade um ar de metrópole, e não um mero local para fins de semana. A expressiva presença de bandeiras do Chile em todas as localidades, reforçou a impressão causada anteriormente.

 

Em Valparaíso, cidade portuária encostada em Viña del Mar, não percebi grandes novidades. A paisagem continua marcada pelas ladeiras íngremes com muitas casas de lata pintadas por grafites e, no meio delas, “La Sebastiana”, uma das residências de Pablo Neruda, parada obrigatória de turistas de todo o mundo que visitam o lugar. Novidade mesmo foi o terremoto de 4,3ᵒ na escala Richter, que me surpreendeu numa das duas noites em que lá pernoitei.

 

Prosseguindo na viagem em direção a Mendoza, já na Argentina, não há como omitir os “caracoles”, sequência de 26 curvas acentuadas na chegada à estação de esqui de Portillo, com as belíssimas paisagens dos picos nevados dos Andes.

 

Infelizmente, tive poucas oportunidades de interagir com chilenos, para trocar ideias sobre a situação vivida pelo país. Nas raras chances que se apresentaram – ou pelos noticiários de televisão – pude constatar a elevada preocupação com a inflação (que está atingindo o nível mais alto desde que a estabilidade foi obtida no governo Pinochet), com as incertezas da política (durante nossa estada a proposta de nova constituição foi rejeitada por ampla margem), e com algumas iniciativas do presidente Gabriel Boric, de 35 anos, de tendência socialista, eleito em dezembro de 2021 para suceder o conservador Sebastián Piñera.

 

Alguns chilenos – em especial da elite – que me procuraram para saber como transcorria o período pré-eleitoral no Brasil, confessaram seu arrependimento por não terem comparecido à eleição no Chile, onde a presença às eleições não é obrigatória.

 

Passada a fronteira que fica imediatamente após o Hotel Inca Lodge, percorri cerca de trezentos quilômetros até Mendoza, cidade conhecida como a “capital mundial do Malbec”, em decorrência da excepcional qualidade dos vinhos lá produzidos com a referida uva.

 

Mendoza, cuja economia gira em torno dos vinhos e azeites e dos turistas que acorrem de diversas partes para conhecer, consumir e adquirir seus produtos, reflete um aspecto também perceptível a quem vai a Buenos Aires nos dias atuais. Apesar da enorme dificuldade econômica atravessada pela Argentina, cuja inflação anual está em torno de 60%, ocorre um fenômeno interessante. Graças à enorme disparidade de renda (talvez menos acentuada que a brasileira) e apesar das altas taxas de desemprego, os principais restaurantes e cafés estão quase sempre lotados. Ainda que entre os frequentadores exista um número considerável de brasileiros que têm viajado para aproveitar o câmbio favorável, há muitos argentinos também, que não abandonam o hábito de se alimentar bem e – os que podem – de continuar viajando para diversos países do exterior, com destaque para o Brasil.

 

A estrutura turística criada pelas vinícolas mais importantes é impressionante. A combinação visita às instalações + degustação + alta gastronomia não fica nada a dever às similares francesas, italianas, chilenas ou sul-africanas. Algumas mais conhecidas como Catena e Zuccardi só aceitam reservas para a segunda quinzena de outubro, para frustração de muitos visitantes que chegam à cidade com a esperança de conhecê-las.

 

Saindo de Mendoza, começou o trajeto de retorno, subindo em direção a La Rioja, onde mais de 1.500 brasileiros cursam medicina na Universidad Nacional de La Rioja (UNLaR, que é pública).

 

A etapa seguinte, Cafayate, já na província de Salta, encanta pela arquitetura colonial de suas casas, hotéis e sedes de vinícolas, constituindo-se numa agradável surpresa para os visitantes. Cafayate é atualmente a segunda região produtora de vinhos da Argentina (perdendo apenas para Mendoza). A região já tem tradição e reputação no mundo da viticultura. É conhecida por ter os vinhedos mais elevados do mundo – as uvas são plantadas a mais de 1.500 metros do nível do mar, algumas chegando a mais de 3.000 metros. A altitude, o solo, o clima seco e as noites frias resultam em vinhos bem estruturados e intensos. As castas são Cabernet Sauvignon, Shyraz, Malbec e Tannat, mas a principal é a Torrontés, que produz vinhos brancos aromáticos e refrescantes.

 

Imperdível também é o passeio à Quebrada de las Conchas, uma reserva natural com formações rochosas de tirar o fôlego.

 

Nas estradas, em especial a Ruta 40, que corta a Argentina de norte a sul, merecem realce especial as magníficas paisagens proporcionadas pela Cordilheira dos Andes e as sucessivas retas que, em muitos casos, superam 10 km de extensão.

 

A última etapa em terras argentinas foi em Corrientes, que é a capital e principal centro social e econômico da província homônima. Tendo na administração pública sua principal atividade, Corrientes se sobressai também como centro universitário e por seus centros de saúde. A atração mais importante, que se tornou uma espécie de emblema da cidade, é a Avenida Costanera, às margens do Rio Paraná, que atrai pessoas de todas as idades para andar por suas largas calçadas, além de possuir diversos restaurantes dignos de elogios por suas instalações e ótima culinária, a preços muito acessíveis em comparação com os brasileiros de qualidade similar.

 

Como no Chile, não tive muitas chances de conversar com argentinos, mas é notória a preocupação com a situação econômica do país e a desilusão com o governo do presidente Alberto Fernández, cuja popularidade encontra-se em nível bastante baixo. Num país dominado politicamente pelos peronistas do Partido Justicialista, percebe-se claramente o temor representado pela ameaça de derrota nas próximas eleições presidenciais a se realizarem em 2023.

 

Um último registro fica para as espetaculares estradas do noroeste de São Paulo e do norte do Paraná, não só pela excelência do leito carroçável e da infraestrutura, com ótimos postos de serviços, restaurantes e lanchonetes, mas, sobretudo, pela magnífica paisagem marcada por terras integralmente cultivadas, evidência de uma agricultura altamente desenvolvida na qual se vê muita tecnologia embarcada. Meus cumprimentos aos agricultores e pecuaristas brasileiros e à Embrapa e outras instituições de pesquisa que foram capazes de transformar o agronegócio brasileiro em referência mundial.

 

Foi minha primeira experiência viajando um longo percurso por via terrestre em veículo particular. E confirmou uma convicção que trago comigo há muito tempo: além de serem um agradável passatempo, viagens se constituem numa excelente escola, cujas lições costumam ficar gravadas para sempre na memória daqueles que têm o privilégio de fazê-las.

 

 

[1] Economista, graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Mackenzie, mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal), é sócio-diretor da empresa SAM – Souza Aranha Machado Consultoria e Produções Artísticas. Foi presidente do Corecon-SP e do Cofecon.

[2] PNUD. The Human Development Report 2021/2022. Disponível em: hdr2021-22pdf_1.pdf (undp.org). Acesso em: 09 de setembro de 2022.

[3] O Chile é o país sul-americano de melhor desempenho no IDH, ocupando a 42ª posição global e a primeira na América do Sul. o Brasil, com pontuação de 0,754, encontra-se na 5ª posição, atrás do Chile (0,855), da Argentina (0,842), do Uruguai (0,809) e do Peru (0,762).

[4] Meu agradecimento aos três espetaculares companheiros de viagem: Andrés Betancor Veras, Paulo Roberto Galrão e Romeu Nassar.

[5] Título: Guerra nas estrelas; Direção: George Lucas; Elenco: Mark Hamill, Harrison Ford, Carrie Fisher, Alec Guiness; Ano de produção: 1977; Duração: 121 minutos.

 

[6] Título: Os 33; Direção: Patricia Riggen; Elenco: Antonio Banderas, Juliette Binoche, Rodrigo Santoro, Naomi Scott, Lou Diamond Phillips; Ano de produção: 2015; Duração: 127 minutos.

 

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