Alemanha precisa urgentemente de mão de obra

Alemanha precisa urgentemente de mão de obra

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Sabine Kinkartz
A cada ano 350 mil alemães se aposentam, e grande parte não é reposta por trabalhadores jovens. País não é mais tão atraente como mercado de trabalho para resto da UE. Leis de imigração e asilo rígidas agravam escassez.

Quem quiser comer fora por estes dias na Alemanha poderá até encontrar uma mesa, mas talvez não haja pessoal nem para cozinhar, nem para servir. E esse é apenas um setor em que no momento falta mão de obra no país: trens e aviões se atrasam ou são cancelados por falta de funcionários nas estações e aeroportos.

Segundo uma pesquisa da Confederação Alemã das Câmaras de Indústria e Comércio (DIHT), cerca de 56% das companhias sofrem falta de pessoal, e todas as empresas consultadas consideram esse um dos maiores riscos que enfrentam atualmente.

A Agência Federal do Trabalho (BA) registrou gargalos em 148 áreas trabalhistas, além de risco em outras 122. Pode levar até oito meses para se preencher uma vaga num lar para idosos; nas companhias de construção, o prazo é de seis meses; em todo o país há mais de 1,7 milhão de postos de trabalho em aberto.

“De cinco a dez anos atrás, nós colocávamos anúncios para oferecer nossos serviços; agora estamos anunciando em todas as mídias para atrair empregados”, conta Markus Winter, diretor-gerente da agência de prestação de serviços para a indústria IDS, no estado de Baden-Württemberg. Com 750 funcionários, ela está tentando preencher 20 vagas, entre as quais de serralheiros, pintores e motoristas de maquinaria pesada.

“Não é mais apenas um problema de campos especializados, mas um problema generalizado de mão de obra”, prossegue Winter. Há também vagas abertas para operários não especializados, “áreas que são realmente essenciais para a indústria, sem as quais nada acontece”.

Cartaz em alemão com anúncio de emprego em creches
Creches alemãs também sofrem falta de mão de obraFoto: Sabine Kinkartz/DW

“Acabou-se a festa”

Apesar de alguns fatores mais recentes, a tendência generalizada à escassez de mão de obra era basicamente previsível. “Nós nos encontramos numa situação bastante dramática, que vimos se aproximando muito tempo atrás”, confirma Herbert Brücker, professor do Instituto de Pesquisa (IAB) de Nurembergue.

A mudança demográfica se faz notar na Alemanha: a cada ano, o país perde cerca de 350 mil cidadãos em idade trabalhista, à medida que os nascidos logo após a Segunda Guerra Mundial se aposentam e não há jovens suficientes para preencher suas funções. Em 2035, segundo analistas, o déficit do mercado de trabalho deverá chegar a 7 milhões de profissionais.

Antes, o país podia confiar em trabalhadores de outros Estados-membros da União Europeia para compensar a escassez doméstica, mas, de acordo com Brücker, essa fonte está começando a secar, já que “as rendas nos demais países da UE estão começando a se equiparar, e também eles estão atravessando mudanças demográficas”.

“Basicamente, acabou-se a festa”, conclui.

Contrato primeiro, aprender o trabalho depois

Uma lei aprovada em 2020 visava incentivar os 400 mil trabalhadores de que a Alemanha precisa a cada ano a virem e permanecerem. Em seu primeiro ano, as novas normas só atraíram 30 mil – uma “decepção”, como define Brücker.

O governo federal está se empenhando para emendar a legislação e apresentar seus pontos-chave em setembro. As alterações propostas incluem abrir o mercado de trabalho para os contratados, mesmo na falta de uma qualificação reconhecida para o posto.

Os ministros Hubertus Heil, do Trabalho, e Nancy Faeser, do Interior, propõem que os empregados alemães ajudem os colegas estrangeiros a obterem o treinamento necessário.

“No momento, o Estado decide quem é adequado para nós, enquanto companhia”, explica Winter. Porém “ele não está em condições de fazer isso”. O diretor da IDS calcula que as empresas já estão contratando 20% de seus funcionários sem treinamento e depois os ajudando a aprender no trabalho.

“Praticamente todos os outros países têm sistemas de treinamento totalmente diferentes do da Alemanha”, relata a DIHT num comunicado a favor da reforma trabalhista. “Isso já começa no processo de visto, no qual são enviados documentos de todo o mundo, e vai terminar com os funcionários das repartições, que nem sempre aplicam os complexos regulamentos de modo uniforme e transparente.”

Homem dirige carro para transporte de paletas em depósito
Na indústria e no comércio, escassez de funcionários se agravaFoto: Gregor Fischer/dpa/picture-alliance

Empregadores sob suspeita

Mesmo com um contrato na mão, pode ser complicado dar entrada num visto de trabalho numa embaixada alemã, afirma a advogada Bettina Offer. “Vejo constantemente autoridades mantendo a suspeita generalizada de que meus empregadores só querem traficar para o país algum velho estrangeiro, em vez de compreender que eles estão procurando trabalhadores.”

Ela caracteriza a atitude dos departamentos de imigração alemães como “defensiva”: “Sempre tenho o problema de ter que lutar contra uma mentalidade que vê um estrangeiro que fica fora do país como um bom estrangeiro – e isso simplesmente não procede. Precisamos de uma mudança de paradigma. Todo trabalhador que vem para nós é um ganho para o país.”

Empregadores como Markus Winter também torcem por uma emenda das leis de asilo. Ele considera rigorosas demais as exigências para os refugiados obterem permissão de trabalhar. Desde 2016, ele empregou cerca de 300 deles. “Posso lhe dizer por experiência própria que não é fácil. Dois terços dos candidatos sequer chegaram a nós na primeira tentativa.”

Apesar de todos os problemas com a língua e a integração, ele vê um grande potencial entre os requerentes de refúgio: “Do ponto de vista político, posso entender que não se queira praticar uma política de imigração oculta por meio das leis de asilo. Mas também aqui muita coisa ainda precisa mudar.”

Trabalhadores estrangeiros na Alemanha do pós-Guerra

Exposição em Colônia mostra vida sob ponto de vista dos “trabalhadores convidados” vindos da Turquia, Grécia, Itália, Portugal e outros países para suprir demanda por mão de obra na Alemanha após a Segunda Guerra.

Foto: Asimina Paradissa

Foto em preto e branco mostra uma mulher sorrindo  diante de um prédio

Asimina Paradissa em Wilhelmshaven

A grega Asimina Paradissa tinha 20 anos quando foi para Wilhelmshaven, no norte alemão. Na foto, ela posa diante do seu prédio-dormitório da fábrica de máquinas de escrever Olympia. Ainda hoje, aos 76 anos, fotografa por paixão. Naquela época, ela documentou casamentos, festas e visitas ao zoológico para colegas e amigos. Nas fotos que tiravam dela, insistia que a foto saísse como ela queria.

Foto: Asimina Paradissa

A grega Asimina Paradissa posa em frente ao prédio onde moravam funcionárias da fábrica da Olympia

A caminho de Paris

Assim como Asimina, a então Alemanha Ocidental atraiu muitos jovens nos anos 60, trazidos ao país com acordos de recrutamento. Os chamados trabalhadores convidados vieram principalmente da Grécia, Espanha, Itália e Turquia. Yücel Aşçıoğlu também veio para a Alemanha para trabalhar. Na foto, posa ao lado de amigos a caminho de Paris, onde passaram as férias da Páscoa em 1971.

Foto: Yücel Aşçıoğlu

Yücel Aşçıoğlu e amigos posam junto ao seu carro

Chique para o casamento

Inicialmente vieram principalmente homens jovens, como Onur Dulgür. A foto o mostra no dia de seu casamento, em 23 de dezembro de 1965: “Naquele dia, eu estava tão feliz porque Monika e eu finalmente tínhamos conseguido a permissão notarial para nos casarmos”, lembra Dulgür. A família alemã de Monika era contra a união. A cerimônia de casamento foi realizada sem familiares.

Foto: Onur Dülger/DOMiD-Archiv, Köln

Onur Dulgür posa diante de prédio em Colônia

Hostilidades e extrema direita

Os imigrados tiveram que lutar contra muitos preconceitos na Alemanha. As hostilidades contra eles e o ressurgimento do extremismo de direita também são abordados na exposição, com um olhar sobre a Keupstrasse, em Colônia (foto de 1977). Foi lá que o grupo extremista de direita NSU perpetrou um ataque com bombas de pregos contra donos de estabelecimentos de raízes estrangeiras em 2004.

Foto: Rheinisches Bildarchiv, Köln

Foto em preto e branco de 1977 mostra estabelecimento comercial em Colônia

“Turcos na Alemanha”, 1975

Além das fotografias privadas, a exposição, que acontece de 19 de junho a 3 de outubro de 2021, também apresenta fotos de fotógrafos conhecidos, como esta de Candida Höfer. Mas as fotografias profissionais são apenas “acessórios”: pela primeira vez na história do Museu Ludwig de Colônia, fotografias particulares são o foco de uma mostra.

Foto: Candida Höfer, Köln; VG Bild-Kunst, Bonn 2021

Vitrine de loja com vários produtos alimentícios turcos

Foto com o rádio

Esta foto mostra a família Spitareli em Colônia por volta de 1967. Nas mãos do pai, um rádio que ele havia comprado para a esposa como consolo para que ela pudesse ouvir programas italianos e se sentisse menos só. Os dois filhos do casal só vieram para a Alemanha mais tarde. Com a ajuda de fotos privadas como esta podem ser contadas muitas histórias, diz a curadora Barbara Engelbach.

Foto: Rosa Spitaleri/DOMiD-Archiv, Köln

Foto da família Spitareli num passeio dominical em Colônia

Histórias de solidão

As histórias dos migrantes também são histórias de ausência, saudade e solidão. Sofia Zacharaki teve que deixar suas três filhas pequenas para trás na Grécia quando se mudou para Aachen para trabalhar. Nesta foto, ela posa com suas colegas de quarto em frente ao dormitório feminino da empresa Leonard Monheim. As fotografias serviam para mostrar aos entes queridos em casa onde ela morava.

Foto: Sofia Zacharaki/DOMiD-Archiv, Köln

Três mulheres em uniforme de trabalho branco diante de uma casa

Fotos encenadas

Muitas vezes as fotos foram cuidadosamente encenadas, como esta, que mostra Ali Kanatlı (na frente, à direita) com amigos num lago em Colônia. As fotos “falam de chegar a um novo lugar, de se localizar, perceber e moldar o próprio ambiente de vida”, explica a curadora convidada Ela Kaçel, que iniciou a exposição.

Foto: Ali Kanatlı/DOMiD-Archiv, Köln

Quatro homens de paletó posam sentados e deitados em um gramado diante de roseiras

Viver em pouco espaço

Muitas vezes, as fotos mostram como os imigrantes queriam ser vistos no novo ambiente. Não há nenhum sinal das condições de vida apertadas nesta foto, que mostra as famílias Türköz e Üçgüler em seu primeiro apartamento conjunto em Colônia.

Foto: Alpin Harrenkamp

Membros das famílias Türköz e Üçgüler sentadas à mesa do primeiro apartamento conjunto

Foco nos belos momentos

Na verdade, porém, as famílias estrangeiras viviam frequentemente em casas que precisavam de reformas ou em bairros marginais, sendo excluídas do “bom” mercado imobiliário. Para os parentes no exterior, porém, eles preferiam capturar os belos momentos, como aqui, em um passeio da família Türköz às margens do Reno em 1972.

Foto: Alpin Harrenkamp

Necla Türköz com a filha Alpin, o filho Uğur e amigs em passeio em 1972

Nas barricadas

Nos anos 1970, os migrantes começaram a fazer campanha aberta e ativa para a melhoria de suas condições de vida. Por toda a Alemanha, trabalhadores tomaram as ruas e paralisaram fábricas inteiras. Esta foto mostra grevistas na fábrica da Ford, em Colônia, em 1973.

Foto: Gernot Huber

Trabalhador com megafone durante uma greve na fábrica da Ford em Colônia em 1973

Clima de festa em 1965

Assim, a exposição “Histórias fotográficas da migração” é também uma história de emancipação. Ela mostra pessoas que vieram para um país estranho, que acabaram conhecendo por experiência própria e que se tornou uma nova pátria para muitas delas. Não é apenas uma história de migração, mas também a história da Alemanha.

Foto: Chrysaugi Diederich/DOMiD-Archiv, Köln

Chrysaugi Diederich com uma amiga numa festa em 1965

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