O SALÁRIO EDUCAÇÃO E OS NOVOS CRITÉRIOS À SUA PARTIÇÃO

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O SALÁRIO EDUCAÇÃO E OS NOVOS CRITÉRIOS À SUA PARTIÇÃO

Camillo de Moraes Bassi[1].

 

  • INTRODUÇÃO

 

Em 15 de junho do ano corrente, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu como inconstitucional o critério utilizado pelo Fundo de Desenvolvimento da Educação (FNDE), na partição do salário educação (SE): qual seja, o “critério devolutivo”[2], onde os recursos retornam à Unidade da Federação (UF), na qual foram gerados, imputando um caráter regressivo à partilha ora tratada.

Diante do fato, estabeleceu-se, mediante uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) que, a partir de 2024, não será a origem da arrecadação o balizador dos repasses, mas, sim, o número de matrículas, pertinente à UF. Ou seja, permutou-se a regressividade por algo (mais) isonômico, o que, convenhamos, é uma conduta (supra) fundamentada.

Nesta técnica, o intento maior é identificar as mudanças (financeiras), associadas a esse novo critério. Antecipa-se que as maiores beneficiárias serão as UF menos abastadas, além de ofertantes de um grande número de matriculas, posicionando, assim, o SE como um mecanismo (suplementar) à mitigação das disparidades de gastos nas ações de manutenção e desenvolvimento da educação (MDE).

Além dessa introdução, disponibiliza-se, na segunda seção, breves comentários sobre a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). Na terceira seção, confrontam-se os critérios atual e futuro da partição, assim como os resultados associados à permuta. Em considerações finais, na quarta seção, apresentam-se as conclusões da nota técnica.

2.0) ADPF: BREVES COMENTÁRIOS

A arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) é uma ação de “controle concentrado de constitucionalidade”[3], trazida pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 102, § 1º, e regida pela Lei nº 8882/1999. Ou seja, comporta-se como um combatente (subsidiário), voltado a coibir atos desrespeitosos aos chamados preceitos fundamentais da Constituição. Transcreve-se, pela ordem, as redações legais:

 

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

  • A arguição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. (CF/1988, grifos nossos)

Art. 1o A arguição prevista no § 1o do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.

Parágrafo único. Caberá também arguição de descumprimento de preceito fundamental:

I – quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição; (Vide ADIN 2.231, de 2000)

Art. 2o Podem propor arguição de descumprimento de preceito fundamental:

I – os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade;

  • 1oNa hipótese do inciso II, faculta-se ao interessado, mediante representação, solicitar a propositura de arguição de descumprimento de preceito fundamental ao Procurador-Geral da República, que, examinando os fundamentos jurídicos do pedido, decidirá do cabimento do seu ingresso em juízo. ( Lei nº Lei nº 8882/1999, grifos nossos)

 

Vale, ainda, comentar a ideia de um combatente subsidiário à preceito fundamental, já que, aparentemente, haveria uma certa dissonância neste casamento de tarefas. A missão pode ser iniciada, mediante os valores intrinsecamente conectados ao acrônimo ADPF. Neste caso[4], tratar-se-iam: a) arguição como sinônimo de acusação; b) descumprimento, como de desrespeito[5]; c) preceito fundamental, como preceito de suma relevância no texto constitucional fundamental, a ser demonstrado em cada caso concreto[6]; e d) princípio da subsidiariedade, não presente, porém relevante à arguição, já que determina que não será admitida a ADPF, quando houver qualquer outro mecanismo eficaz de sanar a lesividade à preceito fundamental [7].

Concluindo, anota-se o ato lesivo que se submeteu (ou promoveu), à ADPF. Genericamente, e reproduzindo os argumentos do Ministro Teori Zavascki, depreende-se que foi a:

[violação da forma] federativa de Estado (artigos 60, §4º, I, CF), devido à intervenção da União, nos Estados para assegurar a aplicação do mínimo exigido na receita de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino (34, VII, ‘e’), bem como do direito à educação básica. (Zavascki, ADPF 13, apud ADPF188, pág. 5, grifos nossos)

 

Neste particular, aflora o § 6º do art. 212 da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006.[8], como o cerne do ato lesivo, proibitivo ao direito a educação básica, que apregoa uma participação de recursos proporcional ao número de alunos matriculados. Transcreve-se redação legal

Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino

  • 6º As cotas estaduais e municipais da arrecadação da contribuição social do salário-educação serão distribuídas proporcionalmente ao número de alunos matriculados na educação básica nas respectivas redes públicas de ensino.         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) (grifo nosso)

 

2.0) SALÁRIO EDUCAÇÃO: ATUAL CRITÉRIO DE PARTIÇÃO

 

O SE, instituído em 1964[9],  é uma contribuição social, prevista na Constituição Federal de 1988 (art. 212, § 5º). Calculado com base na alíquota de 2,5% sobre o total de remunerações pagas ou creditadas, a qualquer título, aos segurados empregados[10], destina-se ao financiamento de programas voltados à educação pública básica (art. 208, inciso VII, da CF/1988) totalizando, no exercício de 2022, R$ 25.728.599.484[11]. A partição, por sua vez, assume o seguinte critério (art. 15, § 1º, incisos I e II, da Lei nº 9.424/1996):

 

  • 1% pra Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), isto é, cerca R$ 257 milhões; e
  • 10% vão para o FNDE; isto é, cerca de R$ 2,57 bilhões;

Em relação ao restante:

  • Dois terços (2/3) para as unidades da federação (UF), isto é, cerca R$ 16.9 bilhões, divididos, de modo proporcional ao montante arrecadado;
  • Um terço (1/3) para a União (UN), isto é, cerca de R$ 9.8 bilhões, administrados, em sua totalidade, pelo FNDE[12].

 

Os valores cabíveis às unidades da federação[13], segundo a lógica sobredita – quer dizer, os dois terços (2/3) do SE, repartidos, de modo proporcional à arrecadação – estão retratados na tabela 1. Constata-se, de pronto, que as assimetrias são gritantes. Por exemplo, o estado de São Paulo, que recebe cerca de 42% do valor partido – aproximadamente, R$ 6,5 bilhões – suplanta o valor do Amapá – cerca de R$ 10,8milhões – em 605 vezes. Explorando a razão SE/matrícula, a disparidade mais eloquente é entre os estados do (novamente) Amapá e do Distrito Federal: no primeiro caso; R$ 56,85; no segundo, R$ 2.051,35.

Já de acordo com a futura lógica de partição – vide figura 2 – a fração cabível às unidades da federação (UF) será proporcional ao número de matrículas da educação pública básica (PROP/MAT), mantendo-se constantes os demais critérios.

Na tabela 2, disponibilizam-se os valores. Constata-se, de antemão, que as assimetrias serão significativamente mitigadas. Por exemplo, o estado de São Paulo, que recebia cerca de 42% do valor partido – aproximadamente R$ 6,5 bilhões –, passará a receber um pouco mais de R$ 3,0 bilhões, valor equivalente a, aproximadamente, 20% da partição total – R$15,4 bilhões. Cotejando o montante com o estado que menos receberá – Roraima, R$ 62,2 milhões – percebe-se que a superioridade será de 49 vezes; ou seja, 8% do confronto, segundo o critério atual – São Paulo versus Amapá, 605 vezes. Explorando a razão SE/matrícula, as disparidades não ocorrerão: padronizar-se-á partição em R$ 407,62.

4.0) CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Chama-se a atenção que o “ato lesivo” à preceito fundamental já se arrastava há 16 anos, demonstrando que o Brasil, ainda, cochila em berço esplêndido – petit comité, claro fique. Como atenuante, um despertar que, mesmo moroso/tardio, promoverá uma distribuição mais racional dos recursos existentes – a quantidade como não partícipe do julgamento.

BIBLIOGRAFIA

Bassi, Camillo de Moraes. PEC do Pacto Federativo – PEC nº 188/2019: Uma Discussão Sobre a Descentralização do Salário-Educação. Nota Técnica – 2020 – julho – Número 83- Disoc. Disponível em: Capa_NT_Pacto federativo (ipea.gov.br). Acesso em: 22/junho/2022;

______________________. Potencial Redistributivo dos Fatores de Ponderação: O FUNDEB Diante da Demanda dos Municípios. Nota Técnica nº 50. Disoc. Julho de 2018. Disponível em: NT_50_Disoc_Potencial.pdf (ipea.gov.br)   . Acesso em: 24/junho/2022;

Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.Disponível em: Constituição (planalto.gov.br). Acesso em: 22/junho/2022;

______. Lei 4.440, de 27 de outubro de 1964. Institui o Salário-Educação e dá outras providências. Disponível em: L4440 (planalto.gov.br). Acesso em: 23/junho/2022;

 

________. Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui Plano de Custeio, e dá outras providências. Disponível em: L8212 – Consolidada (planalto.gov.br). Acesso em: 23/junho/2022

________Lei 9.424, de 24 de dezembro de 1996. Dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, na forma prevista no art. 60, § 7º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e dá outras providências. Disponível em: L9424 (planalto.gov.br). Acesso em: 22/junho/2022;

______. Lei 9.766, de 18 de dezembro de 1998. Altera a legislação que rege o Salário-Educação, e dá outras providências.  Disponível em: L9766 (planalto.gov.br).    Acesso em: 22/junho/2022;

________. Lei nº 9.882, de 3 de dezembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1o do art. 102 da Constituição Federal. Disponível em: L9882 (planalto.gov.br). Acesso em: 23/junho/2022;

[1] Técnico de planejamento e pesquisa na Diretoria de Desenvolvimento Institucional (Dides) do Ipea.

[2] Conforme Bassi, 2020, pág.7.

[3] Conforme Marques, 2015. Acesso: O que é arguição de descumprimento de preceito fundamental? (jusbrasil.com.br)

[4] Conforme Marques, 2015, op. cit.

[5]  O uso da palavra ‘descumprimento” não foi por acaso. Segundo a doutrina, o termo serve para tutelar quaisquer casos de desrespeito aos preceitos fundamentais da Constituição, abrangendo atos normativos ou não normativos. Nesse sentido, acaba sendo mais abrangente que o termo “inconstitucionalidade”, usado na ação direta de inconstitucionalidade, e que corresponde ao desrespeito a Constituição praticado apenas por atos normativos [como dispõe o artigo 102, inciso I, alínea a do Texto Constitucional]. Silva, 2015, op. cit.

[6] Salienta-se que “nem a Constituição nem a Lei nº 9.882/99 trouxeram um rol do que seriam os preceitos fundamentais, o que dependerá da demonstração do autor de cada ação no caso concreto, assim como do entendimento do STF a respeito”;

[7] Conforme Zavascki, “[ADPF] foi concebida para servir como um instrumento de integração entre os modelos difuso e concentrado de controle de constitucionalidade, viabilizando que atos estatais antes insuscetíveis de apreciação direta pelo Supremo Tribunal Federal, tais como normas pré-constitucionais, sejam julgados ….”(Zavascki, ADPF 127, apud ADPF, 188, 2015, pág. 3, grifos nossos).)

[8] Conforme Bassi, 2018, pág. 7, a “gênese “do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb)

[9] Através da Lei 4.440, de 27 de outubro de 1964

[10] Conforme art. 12, inciso I, da Lei nº 8.212/91.

 

[11] Dado extraído do Sistema Integrado de Orçamento e Planejamento (SIOP).

[12] Informações detalhadas sobre as ações custeadas pelo SE, por meio do FNDE, encontram-se no anexo 1

[13] A divisão do SE entre o estado e os municípios é proporcional ao número de matrículas (Bassi, 2020).

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