Luiz Alberto Machado escreve: América do Sul: um continente dividido

Luiz Alberto Machado escreve: América do Sul: um continente dividido

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Luiz Alberto Machado[1]

 

“Depois de perder força – com as eleições de Mauricio Macri na Argentina e de Jair Bolsonaro no Brasil – a esquerda volta a ganhar espaço na América do Sul. Com a recente vitória de Pedro Castillo no Peru, o tabuleiro geopolítico do subcontinente chegou a uma situação de empate.”

Fernando Jordão

 

Com a apertada vitória de Pedro Castillo sobre Keiko Fujimori nas eleições presidenciais do Peru consolida-se um quadro extremamente complicado no continente sul-americano, marcado pela combinação de acentuada divisão ideológica e relativa fragilidade de presidentes obrigados a governar sem maioria parlamentar e/ou com baixo apoio popular.

 

Examinando a situação atual, é razoável afirmar que o continente possui quatro governos de esquerda, no Peru, na Bolívia, no Suriname e na Venezuela, sendo este último caracterizado pelo binômio radicalismo/populismo; dois de centro-esquerda, na Argentina e na Guiana; cinco de centro-direita, no Uruguai, no Chile, no Paraguai, no Equador e na Colômbia; e um de direita, no Brasil.

 

Tal quadro diverge consideravelmente dos observados em dois diferentes períodos da história recente da região. O primeiro desses períodos corresponde ao do domínio dos regimes autoritários liderados por militares ou coalizões civil-militares iniciados nas décadas de 1960 ou 1970 e que se estenderam pela década de 1980. Mesmo considerando diferenças nos países que passaram por governos militares nesse período – Paraguai, Brasil, Argentina, Uruguai, Peru, Chile, Bolívia e Equador – é possível associar a ascensão ao poder de tais governos ao contexto da Guerra Fria e, nesse sentido, identificá-los à influência norte-americana e ao objetivo prioritário de evitar o avanço da influência socialista no continente[2].

 

O segundo período em que a América do Sul mostrou claro predomínio de determinada linha político-ideológica foi na primeira década deste século. Começando por Hugo Chávez, que chegou à presidência da Venezuela em 1999, governantes declaradamente de esquerda foram sucessivamente conquistando o poder: no Brasil (Lula, em 2003), Argentina (Nestor Kirchner, em 2003), Uruguai (Tabaré Vasquez, em 2005), Chile (Michelle Bachelet, em 2006), Bolívia (Evo Morales, em 2006), Equador (Rafael Correa, em 2007), e Paraguai (Fernando Lugo, em 2008)[3].

 

O quadro que se apresenta agora no continente sul-americano revela, além da acentuada divisão político-ideológica, dificuldades socioeconômicas agravadas pela pandemia do novo coronavírus, insatisfações e rebeliões populares no Chile, no Paraguai, na Venezuela e na Colômbia, sem contar seguidos focos de instabilidade provocados pelos presidentes do Brasil e da Argentina.

 

Como se vê, embora os organismos internacionais e respeitados analistas projetem taxas positivas de crescimento econômico em vários países da região em 2021, a divisão político-ideológica e as dificuldades de governança deverão continuar dominando o cenário por algum tempo.

 

Referências

 

JORDÃO, Fernando. América do Sul vive ‘empate’ entre esquerda e direita. Disponível em https://www.sbtnews.com.br/noticia/mundo/170347-america-do-sul-vive-empate-entre-esquerda-e-direita-veja-mapa.

 

Referência cinematográfica

 

Título: Estado de Sítio
Título Original: État de Siege
Direção: Costa-Gavras
Elenco: Yves Montand, Jacques Weber, Renato Salvatori…

Ano de produção: 1973

Duração: 119 minutos

[1] Economista, graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Mackenzie, mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal), é sócio-diretor da empresa SAM – Souza Aranha Machado Consultoria e Produções Artísticas e diretor adjunto do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial. Foi presidente do Corecon-SP e do Cofecon.

[2] O apoio norte-americano aos governos militares na América Latina se tornou conhecido pelo nome de Operação Condor, formalizada em reunião secreta realizada em Santiago do Chile no final de outubro de 1975. Tal operação consistiu na aliança entre as ditaduras instaladas nos países do Cone Sul na década de 1970 – Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, com presença esporádica de Peru, Equador, Colômbia e Venezuela – para a realização coordenada de ações para neutralizar e reprimir os grupos que se opunham aos regimes militares montados na América Latina. Sob a coordenação da CIA, desempenhou papel importante até a onda de redemocratização ocorrida na década de 1980. Vale a pena assistir ao filme Estado de Sítio, do diretor Costa-Gavras, em especial o trecho em que agentes de países sul-americanos recebem treinamento de tortura ministrados pela CIA.

[3] O avanço dos partidos de esquerda na América Latina teve amplo apoio do Foro de São Paulo, uma organização formada por partidos e movimentos políticos de esquerda latino-americanos e caribenhos, identificados com um posicionamento antineoliberal e anti-imperialista e em favor da integração econômica, social, política e cultural da América Latina e Caribe. É uma grande família da qual fazem parte diversas correntes político-ideológicas, ou famílias, da esquerda latino-americana, criado com forte influência de Fidel Castro, Luiz Inacio Lula da Silva e Hugo Chávez.

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