Luiz Alberto Machado escreve: Precedência da criatividade para o empreendedorismo e a inovação

Luiz Alberto Machado escreve: Precedência da criatividade para o empreendedorismo e a inovação

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 Luiz Alberto Machado[1]

No plano microeconômico, já há algum tempo as expressões empreendedorismo e inovação ganharam destaque e passaram a ser identificadas como ferramentas de obtenção de diferencial competitivo para uma empresa ou setor da economia.

 

Com a disseminação de estudos e pesquisas sobre cidades criativas, cidades inteligentes ou smart cities, tais expressões passaram a ser empregadas também num outro plano, sendo apontadas como fatores de transformação urbana. Tem sido comum a sugestão a gestores para que se preocupem com a formulação de políticas públicas que estimulem suas respectivas cidades a favorecerem iniciativas empreendedoras ou inovadoras.

 

Joseph Schumpeter (1883-1950)[2], um dos mais destacados teóricos da economia do desenvolvimento, deixou como legado, entre outras contribuições para a teoria econômica, o conceito de destruição criativa. Para ele, “a economia que cria valor é aquela que surge da destruição criativa”[3].

 

Como transformar uma ideia criativa num negócio concreto, seja ele um produto, um serviço ou um processo criativo?

 

Esse é exatamente o papel do empreendedor, o indivíduo que transforma ideias em produtos ou ações. Ele pode ser o proprietário de uma empresa. Nesse caso, as figuras do empresário e do empreendedor se confundem. Pode, também, ser o colaborador de uma empresa. Nesse caso, trata-se de um intraempreendedor.

 

Embora existam incontáveis respostas a essa pergunta, considero que há duas formas básicas que resumem bem as possibilidades. Uma delas seria a inovação; a outra, a adaptação, como pode se ver na figura 1.

 

A diferença entre as duas não é difícil de ser entendida. Transformar uma ideia criativa num produto ou processo inovador significa criar algo totalmente diferente do que já existe, numa verdadeira mudança de paradigma, de acordo com o livro clássico de Thomas Kuhn[4]. Apesar de difícil de ocorrer, é algo que tem grande impacto mercadológico e que costuma provocar um grande alvoroço no segmento de atividade do referido processo ou produto. Um bom exemplo de inovação foi o que ocorreu na indústria fonográfica, primeiro com a substituição do vinil pelo CD e, posteriormente, com a chegada do MP3. Em todos esses casos, o que se observou foi uma enorme dose de talento transformando uma ideia criativa numa inovação radical[5], gerando significativa turbulência no mercado.

 

Transformar uma ideia criativa numa adaptação, por sua vez, significa incorporar algum tipo de aperfeiçoamento a um produto ou processo já existente, diferenciando-o da concorrência, tornando-o mais atrativo para o consumidor e garantindo, dessa forma, a sua fidelização. Seria uma transformação realizada por meio de mudanças incrementais, aquilo que os japoneses chamam de kaizen. Para quem não sabe, foi exatamente assim que o Japão conseguiu se transformar numa das maiores potências industriais do mundo, a ponto de pôr em risco a fantástica supremacia norte-americana. O “milagre” japonês, conseguido apenas três décadas depois do país sair arrasado da 2ª Guerra, não se deu por meio de um salto, através do qual o país dormiu num estágio atrasado e, de repente, acordou no dia seguinte super desenvolvido. A transformação do Japão num dos mais produtivos países do mundo foi resultado de um amplo processo de mudanças, que teve como um de seus principais ingredientes, a conscientização de cada habitante – estudante, trabalhador, executivo ou empresário – para a necessidade de fazer melhor, a cada dia, a tarefa de sua responsabilidade. Exemplos dessa natureza foram dados em grande quantidade pela TAM. Ser cumprimentado pelo comandante do avião na hora do embarque, chegar ao avião passando por um tapete vermelho e um ótimo programa de milhagem constituíram-se em maneiras de surpreender favoravelmente o cliente, procurando garantir a sua fidelidade. O produto oferecido era o mesmo das concorrentes, mas esses detalhes faziam a diferença, superando as expectativas do cliente e provocando o seu encantamento. Pode não ter tanto glamour quanto tem a inovação, mas em termos quantitativos é, disparadamente, o que ocorre com mais frequência.

 

Essa segunda forma de transformação ganhou grande divulgação nos manuais de administração com a consagração das técnicas de benchmark, que, de forma simplificada, pode ser explicada como a técnica de se inspirar nas melhores práticas, procurando reproduzi-las e, se possível, adicionar algum aspecto diferencial. No mundo globalizado, em que o acesso à informação ampliou-se consideravelmente, tem sido uma prática muito utilizada.

 

A anterioridade da criatividade à inovação não passou despercebida pelo psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi. Em Gestão qualificada: a conexão entre felicidade e negócio (2004, p. 148), observa:

 

Na verdade, a criatividade é uma fonte interminável de inovação – sempre surge uma maneira melhor de fazer algo tradicional. É igualmente um processo muito democrático: não é preciso ser abastado, rico, bem relacionado ou nem mesmo bem educado para destacar-se com base numa boa ideia. Seja com uma franquia de pizza ou em uma companhia de biotecnologia, o potencial de crescimento está sempre presente. Construir uma visão de excelência é uma possibilidade sempre aberta a qualquer um que pretenda fazer bons negócios.

 

Mudando o foco da análise para o plano urbanístico, percebem-se também diferentes estratégias para transformar ideias em projetos ou ações capazes de fazer uma cidade mais criativa, algumas se assemelhando mais a ações disruptivas, outras mais a processos de adaptação.

 

Vale aqui um esclarecimento: qualquer cidade pode se transformar numa cidade criativa independentemente de sua dimensão, sua localização ou sua história. Afinal, como bem observou Jaime Lerner[6], “a própria essência da cidade criativa depende de sua habilidade para construir um sonho coletivo e mobilizar os esforços de seus cidadãos, para transformar esse sonho em realidade – um esforço que pode ser realizado por qualquer cidade, pequena ou grande” (2011, p. 39).

 

Como já mencionado, as estratégias a serem adotadas variam enormemente. Há exemplos vitoriosos de cidades criativas que foram produto de planejamentos governamentais, tendo sua implantação de cima para baixo (top down), como ocorreu, por exemplo, com Barcelona, cuja revitalização fez parte de um amplo projeto governamental ao qual esteve ligado um evento de extraordinária dimensão como os Jogos Olímpicos, lá disputados em 1992.

 

Por outro lado, é possível identificar exemplos de cidades criativas que começaram como iniciativas populares, ainda que, posteriormente, órgãos governamentais municipais ou estaduais tenham passado a assumir crescente responsabilidade. É o caso de Parintins, que começou como uma festa popular, o que significa, tecnicamente, um projeto que veio de baixo para cima (down top).

 

Gostaria de chamar atenção para a existência de cidades consideradas criativas em razão, pelo menos de início, de um evento exclusivo, que serve como ponto de partida para expansão posterior de outros segmentos, com é o caso da Feira Internacional de Literatura de Parati (FLIP). De outra forma, vale atentar para a existência de cidades, normalmente grandes, que se caracterizam por serem multiculturais, oferecendo extensa combinação de equipamentos e eventos, como são os casos, entre outros, de Londres, Paris, Nova York e São Paulo.

 

Examinando por outro prisma, há exemplos de cidades criativas previamente projetadas com esse objetivo, como Dubai, Orlando ou Las Vegas, ao passo que outras passaram por projetos de revitalização. Nesse caso, encontramos projetos de revitalização plena, envolvendo diferentes bairros ou regiões de uma cidade, ou de revitalização parcial, incorporando áreas específicas, como foram os casos de Puerto Madero em Buenos Aires, Estação das Docas em Belém e a Zona Portuária do Rio de Janeiro, esta como parte das transformações visando a realização dos Jogos Olímpicos em 2016.

 

Finalizo ressaltando que também nos casos de transformação urbana, é indispensável que a criatividade preceda as ações empreendedoras ou inovadoras.

 

Como afirma Bill Shephard, por muitos anos diretor da Creative Education Foundation, “existe criatividade sem inovação, mas não existe inovação sem criatividade”.

 

[1] Economista, graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Mackenzie, mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal), é sócio-diretor da empresa SAM – Souza Aranha Machado Consultoria e Produções Artísticas e diretor adjunto do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial. Foi presidente do Corecon-SP e do Cofecon.

[2] SCHUMPETER, Joseph A. Teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e o ciclo econômico. Introdução de Rubens Vaz da Costa. Tradução de Maria Sílvia Possas. São Paulo: Abril Cultural, 1982. (Os Economistas)

[3] Em ROLÒN, Álvaro. La cretividad develada. Buenos Aires: Temas Grupo Editorial, 2010, p. 26.

[4] KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. Tradução de Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 1982.

[5] Muitos autores referem-se a esse tipo de mudança como disruptiva. Entre eles, eu destacaria CHRISTENSEN, Clayton. O dilema da inovação. Tradução de Edna Emi Onoe Veiga. São Paulo: Makron Books, 2001 e PORTER, Michael. A vantagem competitiva das nações. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Elsevier, 1989.

 

 

[6] LERNER. Qualquer cidade pode ser criativa. Em REIS, Ana Carla Fonseca; KAGEYAMA, Peter (organizadores). Cidades criativas: perspectivas. São Paulo: Garimpo de Soluções, 2011, pp. 38-43.

 

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