Projeto de lei na Alemanha quer dar aos empregados a possibilidade de trabalhar remotamente 24 dias por ano. Mas proposta encontra resistência entre empresários e no partido de Merkel.
Projeto de lei prevê que, no futuro, empregador forneça recursos para o home office, como mesa e computador
A possibilidade de trabalhar à distância 24 dias por ano – é isso que o ministro alemão do Trabalho, Hubertus Heil, quer para os trabalhadores do país. Seu novo projeto de lei – a Lei do Trabalho Móvel – está causando um rebuliço na grande coalizão de governo entre o Partido Social Democrata (SPD), de Heil, e a União Democrata Cristã (CDU), da chanceler federal Angela Merkel.
Os conservadores da CDU rejeitam a ideia veementemente, acusando-a de ser incompatível com o acordo de coalizão. O ministro do Trabalho, no entanto, encontrou apoio entre seus aliados.
Um dos defensores do novo projeto é o secretário-executivo da bancada do SPD no Bundestag, Carsten Schneider, que apoiou a iniciativa com as seguintes palavras: “Isso é o que queremos. Essa é a nossa oferta à CDU.”
O desentendimento dentro da coalizão levanta a questão: a sociedade, a política e o empresariado alemão estão prontos para tal lei? Quais são os argumentos a favor e contra o home office?
Viabilidade econômica a longo prazo
Uma empresa que enviasse seus funcionários para trabalharem de casa permanentemente poderia economizar uma quantidade considerável de custos operacionais e para manutenção de escritórios. Os funcionários, por sua vez, economizariam tempo e dinheiro, porque não precisariam se deslocar para o trabalho.
Uma situação em que todos saem ganhando, alguém poderia pensar. Mas não é tão simples assim, ressalva Oliver Stettes, especialista em mercado de trabalho do Instituto de Economia Alemã (IW), em Colônia, que atua a serviço do empregador.
“O que vivenciamos durante a crise do coronavírus não é a norma. No futuro, é mais provável que o funcionário tenha um local de trabalho em casa, além do local de trabalho dentro da empresa.” Essa também seria a ideia por trás da Lei de Trabalho Móvel de Heil.
O ministro destaca que, no futuro, o empregador também precisará fornecer os “recursos operacionais” – como uma mesa, por exemplo, ou um laptop. Legalmente, trabalhar de forma remota tem se caracterizado cada vez mais como teletrabalho, afirma Stettes. Isso significa que se enquadra na regulamentação de locais de trabalho da chamada Lei de Segurança e Saúde Ocupacional. De acordo com o regulamento, equipamentos e materiais de trabalho devem ser fornecidos pelo empregador.
“As economias com custos de escritórios que eventualmente possam ser observadas pela possibilidade de se distribuir 100 pessoas em 80 locais de trabalho – pois elas poderiam trabalhar em casa uma vez por semana – são rapidamente reduzidas a nada”, avalia Stettes.
Não é à toa, então, que a proposta de Heil não esteja sendo tão bem recebida pela comunidade empresarial, que pode assim acabar tendo que pagar por dois locais de trabalho por funcionário no futuro.
Estudo sugere que funcionários ficam mais satisfeitos e são mais eficientes quando trabalham de casa
Potencial de promover igualdade
E será que o home office poderia ser um meio de alcançar um maior nível de igualdade no mercado de trabalho? Essa foi a descoberta da Fundação Hans Böckler, entidade ligada aos sindicatos, que pesquisou o fenômeno.
Trabalhar em casa, segundo o levantamento, oferece a muitos funcionários a possibilidade de um melhor equilíbrio entre vida pessoal e profissional. “A taxa de ocupação entre as mulheres aumentou dramaticamente”, afirma Elke Ahlers, chefe do Departamento de Qualidade do Trabalho.
“Há cada vez mais casais jovens com filhos pequenos, em que ambos os pais trabalham, e o escritório em casa oferece uma possibilidade de ambos trabalharem com mais segurança e se coordenarem melhor.”
Mas Ahlers ressalta que isso só funcionaria se a creche também for garantida. “A crise do coronavírus nos mostrou que essas instituições infantis são um requisito básico muito importante para o trabalho remoto. Quando oferecidas, podem ser um meio para que mulheres e homens participem de forma mais igualitária no mercado de trabalho e ganhem uma renda equivalente.”
A questão da produtividade
Funcionários ficam mais satisfeitos e trabalham com mais eficiência quando trabalham em casa, concluiu a Fundação Hans Böckler. Por outro lado, funcionários em home office geralmente trabalham mais horas do que os colegas no escritório – muitas vezes sem obter uma remuneração correspondente em termos de salários ou tempo livre.
“Existe um perigo real de que as pessoas esqueçam as horas que efetivamente trabalham e, claro, no pior dos casos, não consigam se recuperar, tenham problemas para dormir e sejam mais suscetíveis a infecções”, alerta Ahlers, que teme pela saúde mental de empregados.
“Acho que temos que pensar de forma completamente diferente. Temos que perguntar como podemos proteger esses funcionários da exploração e do fato de que as horas de trabalho estão se tornando cada vez mais ilimitadas, especialmente quando se trabalha em casa. Estamos percebendo que as pessoas se identificam fortemente com suas tarefas profissionais e também se sentem mais sobrecarregadas.”



