O cartão de débito vai acabar? Tecnologia põe em xeque modelo tradicional de pagamento

O cartão de débito vai acabar? Tecnologia põe em xeque modelo tradicional de pagamento

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Fast Payment, que permite processamento de pagamentos instantaneamente na nuvem, é uma das frentes de trabalho e pesquisa do BC

Pagamento pelo celular ou por smartwatch(Shutterstock)SÃO PAULO – Qualquer transação feita hoje com cartão de crédito ou débito embute pelo menos três taxas: a do banco emissor, a da bandeira do cartão (como Visa, Mastercard, Elo) e a da maquininha que processa o pagamento (Cielo, PagSeguro, Stone, entre muitas outras).

Mas a tecnologia já evoluiu a ponto de tornar desnecessários a maioria desses atritos, barateando a operação, colocando em xeque o modelo tradicional de pagamentos e, no limite, eliminando tudo que é físico (como maquininhas e cartão de plástico).

Um grupo de trabalho no Banco Central, formado por 128 membros, está evoluindo na regulamentação para o chamado Fast Payment ou Instant Payment, uma tecnologia em nuvem que permite pagamentos e transferências instantâneas sem intermediação de bandeiras ou credenciadoras, diretamente entre duas contas (seja de pessoas físicas ou de empresas).

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Isso pode ser feito via QR Code, NFC (por aproximação) ou quaisquer outras tecnologias de transferência de dados.

Bruno Balduccini, sócio da Pinheiro Neto Advogados e presidente do comitê de Direito Bancário do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), que acompanha de perto as discussões do BC, diz que a intenção da autoridade monetária é publicar a minuta para comentários já no final deste ano ou início de 2020.

Paralelamente às discussões regulamentares, estudos técnicos buscam viabilizar, financeiramente e no que diz respeito à segurança e cobertura, uma operação de liquidação financeira em nuvem integrada a uma central nacional, de forma que qualquer empresa seja capaz de oferecer pagamentos instantâneos. O efeito imediato é o fim da necessidade de esperar horários bancários para liquidar pagamentos.

Guilherme Horn, conselheiro da ABFintechs, explica que a modalidade visa, em primeiro lugar, diminuir o espaço do pagamento em dinheiro impresso, que, apesar de consideravelmente caro, ainda é muito utilizado em um Brasil com 40 milhões de “desbancarizados” (pessoas que não têm acesso a serviços bancários). Mas diz que “sem dúvida” haverá um impacto em outras modalidades de pagamento e de transferência monetária.

O cartão de débito, principalmente, passa a ter menos sentido como meio de pagamento, já que, para transações à vista, o Fast Payment funciona perfeitamente – e elimina boa parte dos custos.

“Quando chegamos com wallets [carteiras digitais] que remuneram o recurso que fica ali a 100% do CDI, o consumidor passa a ver mais sentido nelas do que em manter o dinheiro em banco, e as transações ocorrem diretamente por meio dessa carteira, sem cartão de débito”, diz Rodrigo Furiato, diretor da área de contas digitais do Mercado Pago, uma das primeiras empresas a lançar pagamento via QR Code no Brasil em modelo ainda subsidiado. No primeiro trimestre de 2020, a empresa pretende começar a lucrar com a modalidade.

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“Pagamento é commodity”

O cartão de crédito tem vantagens que podem compensar as taxas mais elevadas, como parcelamento e programas de milhagens e recompensas – o que pode ajudar a manter a relevância das bandeiras, segundo os especialistas.

Mas, à medida que a tecnologia evolui de modo que o plástico não seja mais necessário, as empresas que dependem apenas das receitas de pagamentos para sobreviver, como as fabricantes de maquininhas, tendem a sentir duros efeitos.

“Pagamento é commodity”, resume Balduccini, da Pinheiro Neto. Segundo ele, as movimentações de empresas como Cielo e PagSeguro em direção às contas digitais e outros serviços financeiros é sinal dessa evolução.

“Incumbentes em geral estão incomodadas, porque o benefício de uma Cielo ou uma empresa que tem distribuição nacional de seus produtos é que elas já estão lá. Agora, precisam se reinventar: a maquininha tende a acabar e ser substituída, por exemplo, por sensores em lojas”, diz.

Balduccini afirma que a tendência é, cada vez mais, a verticalização de serviços, como já vemos de maneira incipiente entre varejistas. A mesma empresa que vende o produto já pode oferecer pagamento, conta digital, crédito, seguros e outros produtos financeiros, aumentando a recorrência do cliente e diminuindo consideravelmente seus custos.

“Essa verticalização deve acontecer rápido”, diz o advogado, considerando a velocidade de adoção dos brasileiros a novas tecnologias – uma pesquisa da Visa mostrou que o Brasil é pioneiro na América Latina em adoção de tecnologias como inteligência artificial, biometria e outras inovações.

A reação das líderes

Embora o fast payment deva transformar a forma como lidamos com pagamentos e afetar diretamente as empresas adquirentes que já estão consolidadas no mercado, alguns players afirmam estarem preparados para essa virada de chave.

A Cielo tem sua conta digital com cartão grátis, chamada Cielo Pay, por ora voltada aos clientes de suas maquininhas, como os lojistas. A PagSeguro vem focando seus esforços de divulgação do PagBank, que vai na mesma linha. A Conta Stone se vende como uma alternativa às contas de bancos para o empreendedor.

“Nós estamos acompanhando o desenvolvimento do processo de perto e participamos dos fóruns do BC. Estamos ajudando a construir o ecossistema. Hoje já temos o pagamento instantâneo: o nosso cliente recebe o valor das vendas em até uma hora após o consumidor pagar, por exemplo”, afirma Rodrigo Penteado, diretor de produtos da Cielo. 

O executivo destaca que o fast payment é uma etapa do processo de desenvolvimento de pagamentos e avalia a solução de forma positiva. “O Cielo Pay já está funcionando entre nossos clientes que possuem a conta digital. O celular do cliente pode virar a maquininha e ele recebe via QR Code, além de poder enviar links de pagamentos e poder receber via boleto. Seremos a ponte para receber a venda, não importa a maneira que o cliente queira pagar”, afirma Penteado. 

A Cielo é uma das maiores empresas de adquirência do país, e Penteado acredita que a credibilidade que a companhia já tem será carregada na transformação do fast payment – e será um diferencial. “Hoje somos uma empresa de tecnologia. O pagamento instantâneo é mais um tipo de solução. O consumidor final vai escolher como quiser e estaremos auxiliando o lojista para que ele receba em qualquer tipo de plataforma”, diz.

A Stone também está confiante de que está preparada para lidar com os desafios dessa nova era de pagamentos. “Nosso cliente é o varejista e tentamos ajudá-lo a gerir o negócio e oferecer modalidades de pagamentos. O fast payment é mais uma opção e vamos desenvolvendo soluções para que os varejistas aceitem esse meio pagamento. Qualquer forma de pagamento eletrônico é uma oportunidade para nós”, explicou Vinicius Carrasco, economista-chefe da companhia.

O executivo acredita que o primeiro impacto a ser sentido com o fast payment será a substituição de boletos, TEDs e DOCs, já que o pagamento será instantâneo, assim como transferências. “Esse tipo de solução tende a morrer. Para outros tipos de transferências e formas de pagamento, acho que os efeitos não são óbvios. Independentemente de existir a maquininha, cartões ou não, o varejista precisa capturar os pagamentos. Nesse sentido, a adquirência será relevante”, diz.

Para Carrasco, já está dado que a forma como o consumidor vai fazer um pagamento será cada vez menos dependente de dispositivos. “Os pagamentos serão viabilizados de outras formas e nosso papel como facilitador disso continua de pé”, afirma. 

O InfoMoney também entrou em contato com a assessoria da PagSeguro, que não deu entrevista.

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