Luiz Alberto Machado[1]
O retorno de Cláudia Leitão à Secretaria da Economia Criativa enche de esperança todos aqueles − e eu me incluo nesse grupo − que se relacionam com a economia criativa ou que, pelo menos, acompanham a sua evolução dentro e fora do Brasil.
nternacionalmente, ainda com a denominação de indústria criativa, o conceito surgiu na Austrália em 1994, quando houve o lançamento de um conjunto de políticas públicas com o objetivo de tornar o país uma nação criativa. O primeiro-ministro da Austrália, Paul Keating, referiu-se à importância da cultura e da arte para o desenvolvimento do país numa publicação intitulada Creative Nation: Commonwealth Cultural Policy. Embora utilizasse esporadicamente a expressão economia criativa, o conceito só se fortaleceu anos depois.
Ainda como indústria criativa, o tema ganhou notoriedade em 1996, no momento em que Tony Blair, em campanha para primeiro-ministro do Reino Unido, incluiu o tema em seu programa de governo. Criou, então, uma força-tarefa para que o país pudesse crescer a partir de seu patrimônio intangível, de Beatles a Shakespeare. Em conjunto com todos os ministérios, ele criou o que veio a se tornar o segundo maior setor da economia do país. O setor recebeu forte impulso e foi fundamental nos preparativos para a realização dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012. De certa forma, seguiu os passos de Barcelona, que passou por amplo processo de revitalização para sediar as Olimpíadas de 1992. Na ocasião, vários projetos contribuíram para que Barcelona se transformasse num paradigma de cidade criativa, passando a ser, desde então, uma das localidades mais visitadas em todo o mundo.
Durante alguns anos houve certa confusão com o uso alternado das expressões indústria criativa, economia da cultura e economia criativa, que acabou prevalecendo. Com essa denominação, a economia criativa tornou-se, em muitos países, um dos carros-chefe do processo de desenvolvimento, colaborando decisivamente não apenas com o crescimento econômico, mas também com a ampliação do leque de atividades que proporcionam às suas respectivas populações um elevado padrão de bem-estar.
No Brasil, infelizmente, a trajetória da economia criativa tem se assemelhado à evolução da economia como um todo, alternando bons e maus momentos, naquilo que se convencionou chamar de “voo de galinha”.
Criada em 2011 no âmbito do Ministério da Cultura, a Secretaria da Economia Criativa, tendo à frente a dinâmica Cláudia Leitão, possibilitou um começo a todo vapor, apesar dos parcos recursos do Ministério que a abrigava. A publicação do Plano da Secretaria da Economia Criativa: políticas, diretrizes e ações, 2011-2014 e o intenso esforço para divulgá-lo logo ganharam destaque. Ali se encontravam, de forma clara e acessível, não só a definição e os principais objetivos da economia criativa brasileira, mas também seus princípios norteadores: a diversidade cultural, a inovação, a sustentabilidade e a inclusão social.
Como acontece, porém, em diversas situações, o que se observou em seguida foi uma enorme descontinuidade, incluindo troca de secretários, realocação ministerial e sucessivas ameaças de extinção da Secretaria.
Com tudo isso − e mesmo continuando desconhecida por muita gente − a economia criativa brasileira seguiu crescendo num ritmo superior ao da economia brasileira. O PIB desse setor cresce mais depressa do que o PIB nacional. Nele predominam os profissionais de nível médio e superior, o que se reflete na renda do trabalho. Em 2022, o salário médio foi de R$ 4 mil mensais, 30% acima da média nacional. Para os que trabalham em publicidade e tecnologia da informação, os salários ultrapassam R$ 7,5 mil mensais.
Em 2023, o professor José Pastore, utilizando dados extraídos do artigo “PIB da economia da cultura e das indústrias criativas” (Revista Observatório Itaú Cultural, n° 34), afirmou, num artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, que 7,5 milhões de profissionais trabalhavam nas áreas da economia criativa no Brasil em 2022, o equivalente a 7% da força de trabalho, que geram quase R$ 300 bilhões anuais, ou seja, mais de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) do País. É uma contribuição expressiva, que está à frente da indústria automotiva (2,5%).
Abrangendo áreas que utilizam mão de obra intensiva e pouca tecnologia como artesanato e gastronomia, a economia criativa inclui também áreas que estão na fronteira tecnológica como softwares de lazer e jogos de vídeo e computador, como se pode observar na tabela 1.
Tabela 1- Abrangência da economia criativa
Sistemas de classificação das economias criativas derivadas
de diferentes modelos
| Modelo do Departamento de Cultura, Mídia e Esporte do Reino Unido | Modelo de textos simbólicos industriais culturais centrais | Modelo dos círculos concêntricos
Artes Criativas Centrais |
Modelo de direitos autorais da Organização Mundial de Propriedade Intelectual
Indústrias centrais de direitos autorais |
| Propaganda/Publicidade
Arquitetura Mercado de arte e antiguidades Artesanato/Ofícios manuais Design/Desenho Moda Cinema e vídeo Música Artes cênicas Publicação/Editoração Software/Programa de computador Televisão e rádio Jogos de vídeo e computador |
Propaganda/Publicidade
Filme Internet Música Publicação/Editoração Televisão e rádio Jogos de vídeo e computador Indústrias culturais periféricas Artes criativas Indústrias culturais limítrofes Eletrônica de consumo Moda Software/Programa de computador Esportes |
Literatura
Música Artes cênicas Artes visuais Outras indústrias culturais centrais Filme Museus e bibliotecas Indústrias culturais ampliadas Serviços de herança, patrimônio e sucessão Publicação/Editoração Gravação de som Televisão e rádio Jogos de vídeo e computador Indústrias relacionadas Propaganda/Publicidade Arquitetura Design/Desenho Moda |
Propaganda/Publicidade
Sociedades de gestão coletiva Cinema e vídeo Música Artes cênicas Publicação/Editoração Software/Programa de computador Televisão e rádio Arte visual e gráfica Indústrias independentes de direitos autorais Material de gravação em branco Eletrônica de consumo Instrumentos musicais Papel Fotocopiadoras. Equipamento fotográfico Indústrias parciais de direitos autorais Arquitetura Vestuário, calçados Design/Desenho Moda Utensílios domésticos Brinquedos |
Fonte: Relatório de Economia Criativa 2010, p. 37.
Vale observar que esta tabela, que privilegia as chamadas indústrias criativas, não incorpora áreas que são atualmente consideradas parte da economia criativa, entre as quais, paisagismo, turismo e gastronomia.
Como em qualquer classificação de tamanha magnitude, há áreas que despertam mais interesse, sendo consideradas mais badaladas, em comparação com outras que não desfrutam do mesmo prestígio, sendo vistas como menos badaladas. Seguramente, a editoração se inclui nesse último grupo, estando longe de merecer a mesma atenção de áreas como softwares, jogos eletrônicos, moda, música, cinema ou rádio e televisão.
Atuando em diversos think tanks que possuem entre suas atividades a publicação de diferentes tipos de textos − livros, revistas, boletins, papers, cadernos especializados etc. −, confesso que esse descaso com a editoração me incomoda e gera preocupação em razão das consequências negativas provocadas pela não observância de práticas adequadas de editoração.
Podendo ser definida como o processo completo de preparação de um conteúdo (como um livro, revista ou e-book) para publicação, a editoração abrange desde a seleção e revisão do texto até o projeto gráfico, diagramação, impressão e distribuição. O objetivo é garantir que a obra seja apresentada de forma clara, esteticamente agradável e adequada ao público-alvo.
Nesse sentido, a editoração envolve desde a seleção de conteúdo (escolha dos originais que serão publicados), passando pela preparação, tradução e revisão (correção ortográfica e gramatical, além de aprimoramento da escrita), projeto gráfico (definição do design geral, incluindo tipografia, layout, capa e elementos visuais), diagramação (organização do conteúdo na página, garantindo a legibilidade e a estrutura lógica), até chegar às fases de produção (fechamento de arquivos para impressão ou para distribuição digital, como nos casos de e-books) e de distribuição (planejamento da chegada da obra ao leitor).
Como, além de atuar em think tanks, sou um leitor contumaz, daqueles que raramente é visto sem um livro nas mãos − preferivelmente físico, que é uma característica de muitos da minha geração −, considero um desrespeito ao leitor a existência de publicações repletas de problemas que evidenciam descaso com vários aspectos de uma editoração digna desse nome.[2]
[1] Economista, graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Mackenzie, mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal), é sócio-diretor da empresa SAM – Souza Aranha Machado Consultoria e Produções Artísticas e consultor da Fundação Espaço Democrático. Foi presidente do Corecon-SP e do Cofecon.
[2] Faço questão de registrar minha homenagem a Marcia Rodrigues Nunes e Marisa Villas Boas, responsáveis pelo excepcional trabalho de projeto gráfico e/ou revisão dos meus livros publicados pelo Espaço Democrático e pela Editora Trevisan.



