Nos quatro anos, que se encerraram, o desempenho da gestão do Banco Central do Brasil foi superior ao esperado em aspectos como na implantação do PIX e do DREX – Real Digital. Todavia, no cumprimento da sua missão institucional, o desempenho ficou aquém do esperado.
A missão é garantir a estabilidade do poder de compra da moeda, zelar por um sistema financeiro sólido, eficiente e competitivo, e fomentar o bem-estar econômico da sociedade. Neste quadriênio, a estabilidade do poder de compra da moeda, usando as duas medidas mais importantes – o IPCA e o câmbio, foi fraca.
A medida mais importante de estabilidade do poder de compra da moeda é o IPCA, todavia, em três dos últimos quatro anos, ficou acima do teto da banda. Considerando que a equipe é independente, é um desempenho pífio. A segunda medida mais importante é a taxa de câmbio. Oscilou muito com prejuízos consideráveis ao setor não financeiro e pressionou a inflação com efeitos secundários na taxa de juros básica.
O sistema financeiro é sólido, mas não é nem eficiente e nem competitivo como poderia ser. A relação crédito/PIB está na metade de seu potencial, quando comparada com outros países com renda semelhante e sem a nossa sofisticação tecnológica. Outro indicador de eficiência é a inadimplência baixa, todavia bateu recordes históricos sucessivos de alta em recuperações judiciais e negativações.
São 73,1 milhões de cidadãos e 7,0 milhões de empresas negativados. Lembrando que o número de inadimplentes é maior, uma vez que nem todos que têm pagamentos atrasados são negativados. Com a taxa de juros em alta, o razoável é que esses números aumentem, o que não é desejável.
Urgem mudanças para que o Banco Central cumpra sua missão. A equipe que está começando o mandato agora e a anterior são do alto gabarito técnico. Mas, mais do mesmo resultará em mais do mesmo. Seguem propostas de mudanças nas políticas de crédito e cambial.
I. Política de crédito 2025. O que está sendo proposto está em parte inspirado nas campanhas “Jogue com responsabilidade”, incentivando a apostar de modo razoável e estar bem informado. No ano passado, foram divulgadas pesquisas analisando o impacto das Bets no aumento da inadimplência do sistema financeiro.
Não há registro de estudos de como empréstimos a taxas muito elevadas que são feitos para quitar dívidas mais baratas resultam em mais inadimplência para o sistema financeiro. O nome técnico é de diluição de dívidas, o lucro de empréstimos sem responsabilidade de poucas instituições prejudica a adimplência das outras. Seria oportuno pesquisas nesse sentido.
“Definir seus limites é super importante para jogar de forma responsável” é uma das recomendações do “Jogue com responsabilidade”. Há indicadores que nem todas as instituições atuam dessa forma. As perdas de crédito no primeiro semestre do sistema ano passado foram de R$ 116,7 bilhões superiores ao lucro no mesmo período que foi de R$ 113,9 bilhões.
Note-se que o volume de empréstimos inadimplentes foi maior, mas como muitos tinham garantias que foram executadas, a inadimplência desses devedores não afetou o balanço das instituições. São milhares de veículos e imóveis retomados e leiloados, com perdas de capital expressivas para os devedores em mora.
A facilidade para a execução de garantias permite empréstimos sem responsabilidade e com danos ao bem estar. Um exemplo é o cidadão que atrasa um dia o financiamento de seu imóvel, por um problema de caixa, cai no cheque especial, com um adicional de IOF, e o que começa como um problema de liquidez vira um problema de solvência. Para empresas, há situações parecidas.
Note-se que garantias para empréstimos são importantes e necessárias. Todavia, têm que ser contrabalançadas com empréstimos com responsabilidade, leia-se classificação de risco e a obrigação de manter a marcação original, transparência, tornar o cadastro positivo iterativo, regras e protocolos de precificação, de proteção ao consumidor e de renegociações e a remoção do entulho inflacionário.
II. Política cambial 2025. O câmbio foi um problema no ano passado. Na inflação o impacto foi um desastre. Nos últimos seis meses, a alta dos preços dos itens comercializáveis, que dependem do câmbio, foi de 4,22%, maior do que a dos não comercializáveis, que dependem da pressão de demanda influenciada pelo déficit público de 1,30%. Em outras palavras, sem a pressão do câmbio não teria havido um estouro da meta.
Uma proposta é que o Banco Central estabilize o câmbio explicitamente, fixando diariamente uma banda de, digamos de R$ 0,01 (para cima e para baixo), operando no mercado à vista. Dessa foram, daria mais previsibilidade à taxa, reduzindo a volatilidade e protegendo-a do efeito manada. É um sistema que ajuda a controlar a inflação.
O custo de carregar as reservas internacionais pode ser reduzido permitindo contas em divisas nos bancos no Brasil. As reservas correspondem a 23,5% da dívida bruta do governo e o custo de carregar essa dívida é de cerca de 1,5% do PIB. É maior do que o déficit primário. A medida daria mais estabilidade ao câmbio, ganhos ao fisco e mais eficiência ao mercado de divisas.
As restrições atuais são anacrônicas. A medida não vai dolarizar a economia. Muitos países, incluindo o Chile e o Uruguai, permitem contas em outras divisas e nem por isso têm que abandonar a moeda nacional. Para o governo, cada dólar em uma conta de um cidadão ou empresa significa uma redução da dívida bruta no mesmo montante, e sem reduzir o volume de reservas.
Não é necessário reinventar a roda, é fazer o que os outros países fazem. As medidas propostas acima dependem apenas do Banco Central do Brasil. Podem ser aplicadas de imediato, não exigem noventena.
O potencial de ganhos para o bem estar do país é grande. A maneira como o Banco Central pode fomentar o bem estar é justamente garantindo a estabilidade do poder de compra da moeda e zelando por um sistema financeiro solido, eficiente e competitivo, e, dessa forma, cumprir com sua missão precípua.
É isso.