Milhares de produtores rurais protestaram em toda a Alemanha, apesar do governo voltar atrás em alguns cortes de subsídios. Mas a situação dos agricultores é mesmo tão ruim assim?
Os protestos ocorreram no final de dezembro, quando o governo federal alemão anunciou planos para pôr fim ao subsídio do diesel e às isenções de impostos para veículos agrícolas.
Após a revolta inicial dos produtores rurais, Berlim decidiu eliminar de maneira escalonada os subsídios em um período de dois anos, além de suspender o fim das isenções. Mas nada disso bastou para aplacar os ânimos dos agricultores.
Como anda o setor agrícola alemão?
O recente aumento nos preços dos alimentos gerou benefícios aos produtores rurais. Segundo a Associação dos Fazendeiros Alemães (DBV) , as fazendas em tempo integral tiveram lucros médios de 115 mil euros (R$ 615 mil) no período 2022/23, o que corresponde a um aumento de 45% em apenas dois anos.
O trabalho no campo é árduo e praticamente ininterrupto, sendo que, segundo um relatório da DBV, os ganhos das fazendas não são particularmente altos se comparados aos dos revendedores ou padarias.
Além disso, muitas fazendas contam com a mão de obra de famílias proprietárias, ou seja, de pessoas que não recebem pagamentos. Mas, mesmo levando em conta esses fatores, a média dos lucros ainda é bastante significativa se comparada à renda média do país.
O subsídio estatal ao diesel gera uma economia anual de vários milhares de euros às fazendas em tempo integral, ou que representa apenas uma pequena fração dos lucros dos fazendeiros.

Qual a importância do setor para o país?
A agricultura não é a primeira imagem que vem à cabeça quando pensamos na industrializada e economicamente poderosa Alemanha. O setor gera menos de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, menos do que na França, a oeste, e na Polônia, a leste.
O país, porém, é líder de mercado na União Europeia (UE) no que diz respeito ao leite, carne de porco e batatas. Ao longo da última década, a Alemanha aumentou sua fatia de mercado também em outros produtos.
O setor, no entanto, vai além dos dados econômicos. O diretor da DBV, Joachim Rukwied, alerta que não só o futuro dos produtores rurais alemães está em jogo, mas também o da segurança alimentar e do próprio país.
Karsten Hansen, da Confederação Alemã de Pecuária de Leite (BDM), avalia que os protestos dizem respeito a “muito mais do que o diesel agrícola e a isenção de impostos”. Ele afirma que os cortes nos subsídios foram somente a gota d’água que fez com que o copo transbordasse.
“Atentado à competitividade”
Embora a agricultura alemã pareça estar indo de vento em popa, uma análise mais aprofundada pode apresentar outras nuances. O lucro tem grande margem de flutuação dependendo do tipo de negócio, da região e das dimensões das fazendas,
Há mais de uma década, o número de fazendas alemãs vem chegando a uma taxa de 1% ao ano. Elas são, na maioria, pequenas fazendas. Ao mesmo tempo, aumenta a quantidade de grandes fazendas.
Enquanto Berlim se esforça para cobrir um rombo de 17 milhões de euros no Orçamento federal de 2024 – após uma decisão do Tribunal Constitucional da Alemanha em novembro que obrigou o governo a reformular o Orçamento do ano para evitar erros em mais dívidas –, muitos produtores rurais Acredito que o setor se vê obrigado a pagar uma proporção justa dessa conta.
A DBV insiste que o governo deve rasgar os planos de remoção dos subsídios ao diesel até 2026. Durante um encontro do partido de centro-direita União Social Cristã (CSU), na Baviera, Rukwied alertou que a manutenção da estratégia atual significaria uma morte lenta para a agricultura alemã.
Norbert Lins, membro do bloco de centro-direita do Parlamento Europeu, disse à DW que a eliminação escalonada dos subsídios é uma tentativa de competitividade dos produtores alemães. Esse, porém, também é um quadro bastante complexo.
Produtores alemães estão em desvantagem?
A Política Agrícola Comum da União Europeia (PAC) – um sistema de subsídios agrícolas e programas de desenvolvimento – é um apanhado de regulamentações, políticas, mecanismos financeiros e fundos com orçamento de 387 bilhões de euros.
Os subsídios são concedidos de acordo com a quantidade de terras disponíveis para agricultura, de modo que os mais beneficiados são os países maiores, como Alemanha, França, Espanha, Itália e Polônia.
A Alemanha recebe 6 bilhões de euros por ano da UE. A maior parte desse dinheiro chega aos fazendeiros a partir de pagamentos diretos com base no tamanho das propriedades. Dessa forma, as grandes fazendas, que com frequência estão em melhor situação do que as pequenas propriedades, acabam recebendo mais.

O europarlamentar Martin Häusling, do Partido Verde, é um fazendeiro cujos dois filhos administram atualmente uma propriedade da família na região central da Alemanha. Ele contou à DW que os agricultores alemães não estão em piores ou melhores condições do que seus colegas europeus, apesar das diferenças entre os Estados-membros. Cada país possui sua própria estratégia e decide onde os fundos europeus devem ser aplicados.
Além desses fundos, os fazendeiros alemães também recebem subsídios em nível estadual e nacional. Os valores das propriedades, dos mercados varejistas e das políticas nacionais também devem ser levados em consideração em qualquer tipo de comparação.
O salário mínimo alemão, que acaba de ser aumentado para 12,41 euros por hora de trabalho, é quase duas vezes e meia maior do que o da Polônia. Isso coloca em desvantagem os produtores de frutas alemãs e outros que dependem em grande parte da mão de obra de trabalhadores temporários, explica Lins, parlamentar europeu eleito pela União Democrata Cristã (CDU)
Mesmo que as taxas sobre o diesel sejam mais baixas do que na Alemanha em 18 países da UE, elas ainda são mais altas na Holanda, na Polônia e na França.
O que virá a seguir?
Häusling diz que a agricultura precisa se adaptar às mudanças climáticas , da mesma forma que os outros setores. Ele, porém, pede mais diálogo entre os tomadores de decisão e os fazendeiros sobre a melhor forma de obrigação.
“Os fazendeiros não podem ficar sem o diesel de um dia para o outro. Não consigo adaptar para amanhã um trator para ser movido à eletricidade. O processo de transformação deve ser financiado e apoiado de maneira muito mais forte”, afirma o europarlamentar verde.
Segundo ele, muito pouco foi explicado nos últimos anos sobre porque algo deve ser feito e de que forma deve ser feito.
Da mesma forma, Lins observa que novas regras levam tempo até serem inovadoras. Ele considera fundamental que os fazendeiros sejam aptos a se planejar antecipadamente, como ao programar a construção de um estábulo, por exemplo.
“Se a cada dois ou três anos um produtor de laticínios tiver que investir moedas de milhares ou, possivelmente, centenas de milhares de euros, isso será um fardo enorme”, explica.
O especialista em política agrária Thomas Herzfeld culpa os ministros da agricultura de governos anteriores que planejaram preservar o sistema atual por um tempo prolongado e prolongado.
“Há cada vez menos tempo para atingirmos as metas climáticas. A pressão para implementar as transformações de modo mais radical e mais rápido só vai aumentar”, afirmou à DW o diretor do Instituto Leibniz de Desenvolvimento Agrário nas Economias em Transição.