Luiz Alberto Machado escreve: Economia e Economistas: Consensos e Dissensos

Luiz Alberto Machado escreve: Economia e Economistas: Consensos e Dissensos

- in Notícias
0
Comentários desativados em Luiz Alberto Machado escreve: Economia e Economistas: Consensos e Dissensos

E

 

Luiz Alberto Machado[1]

 

“Raramente os economistas, quando se encontram, conseguem chegar a algum consenso. O que é ótimo, pois é muito provável que estivessem todos errados.”

John K. Galbraith

 

O Dia do Economista é comemorado no dia 13 de agosto. Tendo me graduado em Ciências Econômicas e dedicado boa parte da minha carreira profissional à atividade acadêmica, exercendo, com muito orgulho, a ocupação de professor, me acostumei a todo tipo de considerações sobre a economia e a profissão de economista, em especial às que se referem à complexidade da teoria econômica e à falta de consenso entre os economistas.

 

Há de todo tipo e de autores diversos. Entre os próprios economistas, além da utilizada na epígrafe, do consagrado John Kenneth Galbraith, cito uma de Joseph Schumpeter, “Não confio em dois tipos de pessoas: arquitetos que afirmam construir barato e economistas que declaram ter respostas simples”, uma de Roberto Campos, “Sempre que temos um problema econômico de difícil solução, substituímos a matemática pela matemágica”, e outra de Gustavo Franco, “Erros e acertos, intencionais ou não, ocorrem todo o tempo nessa profissão em que não há base científica para o ofício de profeta, mas há enorme demanda por profecia”. Dos não economistas, menciono George Bernard Shaw, “Se todos os economistas fossem postos lado a lado eles não iriam alcançar uma conclusão”. Há também uma piada que se tornou clássica, cuja autoria original não sou capaz de precisar, segundo a qual “A economia é o único campo onde duas pessoas podem ganhar um Prêmio Nobel dizendo exatamente coisas opostas”.

 

Em se tratando de existência ou não de consenso, vou me ater neste artigo a dois fatos recentes e dois livros lançados em 2023 que servem perfeitamente para ilustrar essa característica.

 

Dos fatos recentes, o primeiro exemplo de falta de consenso se deu com a indicação, por parte do presidente Lula, do economista Marcio Pochmann para presidir o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além de fazer a indicação sem consultar a titular do Ministério do Planejamento, Simone Tebet (que parece estar se acostumando a “levar bola nas costas” no jargão futebolístico), ao qual o órgão está subordinado, o presidente da República deu mais uma indicação de que, ao contrário do que costumava fazer em seus mandatos anteriores, faz agora escolhas de nomes que sejam fieis a ele pessoal e ideologicamente. Só assim se explica a indicação de um economista que teve uma passagem questionável pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), onde demitiu técnicos competentes e interferiu nos trabalhos por razões ideológicas e que mereceu, entre outros, os seguintes comentários de personalidades de inegável competência: de Edmar Bacha, um dos componentes da equipe que elaborou o Plano Real, “Como ex-presidente do IBGE estou ofendido. Ele é um ideólogo da ala esquerda do PT e não terá problema nenhum em colocar o IBGE a serviço dessa ideologia”; de Elena Landau, ex-assessora da presidência do BNDES e, posteriormente, diretora da área responsável pelo Programa Nacional de Desestatização e coordenadora do programa da candidata Simone Tebet, “É um dia de luto para a estatística brasileira. É uma pessoa que não entende de estatística e não tem preparo para presidir o IBGE”.

 

O segundo exemplo de escolha, na direção oposta, por ser recebida com aplausos generalizados, se deu com a eleição, pela Ordem dos Economistas do Brasil, de Felipe Salto para Economista do Ano, retomando uma tradição iniciada em 1959 e interrompida por três anos por conta da pandemia de covid. A sugestão de Felipe Salto foi feita pelo ex-ministro Delfim Netto ao Conselho Superior da Ordem e aprovada por unanimidade. É um reconhecimento do excelente trabalho de Salto como secretário da Fazenda durante a gestão de Rodrigo Garcia (PSDB) e de suas realizações à frente da Instituição Fiscal Independente (IFI) no Senado, inclusive na fundação e atuação como primeiro diretor-executivo. Formado pela Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e atual economista-chefe e especialista em Política Fiscal da Warren Rena, Felipe Salto é, aos 36 anos, o mais jovem dentre os laureados na história do prêmio.

Entre os livros sobre economia, taxados recentemente de superados pelo presidente Lula, cito, como exemplo de falta de consenso, A hora dos economistas (Rio de Janeiro: Sextante, 2023), de Binyamin Applebaum, principal redator do Conselho Editorial do The New York Times. Escrito em 2019, mas lançado no Brasil apenas em 2023, o livro tem como chamada de capa “Falsos profetas, livre mercado e a divisão da sociedade” e foi bem recebido por boa parte da opinião pública norte-americana. O jornal The New Republic, por exemplo, afirmou que “o autor expõe o impacto dramático da ação dos economistas nas políticas governamentais e, assim, revela que a ciência econômica não é uma abstração isenta de viés, mas uma ciência política e moral”. Já para a renomada revista The Economist, trata-se de “uma história bem contada sobre como economistas audaciosos ajudaram a reescrever as políticas públicas nos Estados Unidos, na Europa e em todos os mercados emergentes”.

 

O mérito maior do livro, a meu juízo, consiste em traçar um panorama sobre a evolução do pensamento econômico, com extenso debate sobre o papel do governo na economia, contrapondo pontos de vista de economistas de diferentes posições. Nesse aspecto, destaque para o capítulo “Friedman versus Keynes” (pp. 51-70). No decorrer do livro, o autor discorre sobre o perfil de economistas que deixaram profundas marcas na vida americana, como o libertário (sic) Milton Friedman[2], o mais importante de sua geração, George Stigler, principal responsável por derrubar a visão do pós-guerra da concentração de empresas, Robet Mundell, cujo trabalho serviu de base para a economia pelo lado da oferta, Arthur Laffer, que popularizou as ideias de Mundell e ajudou a tornar os cortes de impostos um elemento básico da política econômica conservadora, Thomas Schelling, que estabeleceu um valor em dólar para a vida humana, e Alan Greenspan, que não considerava a regulação financeira parte de seu trabalho como presidente do Federal Reserve.

 

Crítico da economia de mercado, o autor se opõe à crença de que o governo deveria parar de tentar controlar a economia e de que os mercados produziriam crescimento permanente, permitindo que todos aproveitassem seus benefícios. Na visão de Applebaum, a promessa de crescimento estável e prosperidade compartilhada expressa por esses economistas que tiveram enorme influência na política econômica, principalmente a partir dos governos de Ronald Reagan e Margaret Thatcher, na década de 1980, não se tornou realidade. Em vez disso, a economia de mercado contribuiu para a desigualdade, o enfraquecimento da democracia liberal e a falta de perspectiva das futuras gerações.

 

A hora dos economistas está longe de ser um livro de leitura fácil, exigindo do leitor conhecimentos básicos de teoria macroeconômica, de finanças públicas, de história do pensamento econômico e da história recente dos Estados Unidos.

 

Encerro o artigo comentando um livro que, embora de lançamento recentíssimo, tem tudo para se constituir num sucesso editorial, apesar de focalizar um tema extremamente árido e por vezes desagradável. De autoria do economista  Roberto Teixeira da Costa, primeiro presidente da Comissão de Valores Monetários (CVM) e fundador do Conselho Empresarial da América Latina (CEAL) e do Centro Brasileiro de Relações Internacionais(CEBRI), Crises Financeiras (São Paulo: Portfolio-Penguin, 2023), que tem a coordenação do experiente jornalista Fábio Pahim Jr., discorre sobre crises financeiras antigas e recentes em suas três partes: a primeira sobre crises mundiais, a segunda sobre crises brasileiras e a terceira sobre as lições deixadas por elas e como podem ser úteis para que não se repitam indefinidamente.

 

Embora tenha por subtítulo “Brasil e mundo (1929-2023)”, a incursão de Roberto Teixeira da Costa pelo universo das crises começa bem antes, passando pela Mania das Tulipas, ocorrida na Holanda em princípios do século XVII, e pelas bolhas da South Sea Company e da Companhia do Mississippi (séculos XVIII e XIX). De maneira mais detalhada, o autor mergulha no crash da Bolsa de Nova York em 1929, que deu origem à Grande Depressão, a maior crise vivida pelo capitalismo ocidental, cujas consequências se estenderam até a segunda metade do século XX. Prosseguindo na parte mundial, são examinados os impactos das crises do petróleo (1973 e 1979), dos casos da Enron e do Lehman Brothers, da bolha das pontocom nos anos 2000, da febre das hipotecas subprime e, finalmente, da pandemia da covid e da invasão da Ucrânia pela Rússia.

 

Na parte sobre o Brasil, o autor começa com a chegada de D. João VI, comentando, a seguir, as contribuições do Barão de Mauá e o episódio do Encilhamento, na gestão de Rui Barbosa como ministro da Fazenda. Ingressando no século XX, analisa o efeito sobre a economia das duas grandes guerras, do ciclo autoritário de Getulio Vargas e dos primeiros anos do regime militar. A crise de 1971 evidenciou a urgência de fiscalizar o mercado de capitais, culminando na criação da CVM, na nova Lei das Sociedades Anônimas e no fortalecimento das ações ordinárias. A difícil convivência com a inflação crônica e a imprevisibilidade decorrente de sucessivos pacotes econômicos são objeto de olhar apurado. Depois de enfatizar a extraordinária importância do Plano Real para a estabilização da economia brasileira, Roberto Teixeira da Costa percorre episódios recentes como a crise da Petrobras, a ascensão e queda de Eike Batista, a revolução digital e as criptomoedas, chegando até o caso das Lojas Americanas, que veio a público nos primeiros dias de 2023, coincidindo com o início do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.

 

Com o olhar de quem vivenciou muitos dos episódios narrados, Roberto Teixeira da Costa consegue apresentar o legado institucional de cada um e indica, na parte final, como não cometer os mesmos equívocos. E o faz de forma bastante acessível, razão pela qual o livro pode ser lido – e apreciado – não apenas por economistas, mas também por qualquer pessoa, ligada ou não, aos mercados financeiro e de capitais.

 

[1] Economista, graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Mackenzie, mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal), é sócio-diretor da empresa SAM – Souza Aranha Machado Consultoria e Produções Artísticas e consultor da Fundação Espaço Democrático.

[2] O autor utiliza a expressão liberal no sentido americano e não inglês do termo, como normalmente se faz no Brasil. Nesse sentido, liberal é utilizado para designar economistas mais ligados ao Partido Democrata, que, nos Estados Unidos, são adeptos de uma maior intervenção do governo na economia, como é o caso de John K. Galbraith, Paul Krugman e Walter Heller.

You may also like

Alagoas: confira os principais pontos da reforma tributári

Entenda o que mudou e como a população