Morre aos 82 anos Pelé, o Rei do Futebol

Morre aos 82 anos Pelé, o Rei do Futebol

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Philip Verminnen 

Maior goleador da história e único futebolista que conquistou três Copas

olecionou uma série de recordes, condecorações e gols antológicos. Pelé parou uma guerra e imortalizou a camisa 10 da seleção brasileira.

Estádio Ullevi, 19 de junho de 1958, em Gotemburgo. A partida contra a seleção do País de Gales, válida pelas quartas de final da Copa do Mundo na Suécia, estava truncada. Forte defensivamente, os galeses permitiam poucas chances de gol à seleção brasileira.

Até que, aos 21 minutos do segundo tempo, um jovem franzino, de costas para o gol, recebe passe de Didi, aplica um pequeno chapéu no zagueiro Melvin Charles, gira o corpo e coloca a bola no cantinho da meta galesa. Companheiros correm para abraçar o garoto de 17 anos enrolado na rede do gol, o estádio aplaude de pé, e fotógrafos invadem o gramado para registrar o momento.

Começava ali o reinado de Pelé, o maior futebolista de todos os tempos. Um supercampeão que revolucionou o jogo e, com uma bola nos pés, encantou o mundo.

Mundo este que ficou órfão nesta quinta-feira (29/12). Edson Arantes do Nascimento, ou simplesmente Pelé, morreu aos 82 anos de idade, em São Paulo, em decorrência de um câncer de cólon. O esporte mundial está de luto.

O Rei do Futebol foi diagnosticado com um câncer no cólon em setembro de 2021. No início de 2022, Pelé teve diagnosticadas metástases no intestino, no pulmão e no fígado. Eles estava internado no hospital Albert Einstein desde 29 de novembro.

Pelé marca o terceiro gol da seleção brasileira contra a Suécia, na final da Copa do Mundo de 1958
Aos 17 anos e 249 dias, Pelé marcou dois gols na final da Copa do Mundo de 1958, na qual o Brasil derrotou a anfitriã SuéciaFoto: picture alliance/AP Photo

De Três Corações para o mundo

“Assim como só houve um Beethoven e um Michelangelo na história, só há um Pelé.” Para muitos, essa frase proferida pelo próprio Pelé reflete a real grandeza do craque brasileiro. A gama de conquistas e feitos do mítico jogador é numerosa e incontestável: entre as incontáveis condecorações, ele foi nomeado o Atleta do Século, agraciado como cidadão do mundo pelo Unicef, condecorado Cavaleiro da Legião de Honra da França e é um dos poucos estrangeiros a receber o título de Sir do Reino Unido.

O Rei do Futebol chegou a interromper uma guerra e é o único futebolista que conquistou três vezes a Copa do Mundo, além de seguir sendo o maior goleador da história.

Pelé nasceu na cidade mineira de Três Corações, em 23 de outubro de 1940. Naquela época, a energia elétrica tinha recém-chegado à cidade, e João Ramos do Nascimento, o pai de Pelé e mais conhecido como Dondinho, decidiu homenagear o inventor americano Thomas Alva Edison, que criou a lâmpada elétrica e assinou mais de mil patentes.

Dondinho era jogador de futebol e notório por ter sido um exímio cabeceador – há relatos de ter marcado cinco gols de cabeça em um único jogo, a única marca que seu filho não conseguiria quebrar. O pai de Pelé teve uma passagem curta pelo Atlético-MG, mas uma lesão no joelho impediu sua ascensão no futebol.

Dondinho perambulou por clubes menores no interior de Minas Gerais, entre eles o Vasco da Gama, de São Lourenço. Na época, seu filho mais velho acostumava acompanhá-lo nos treinos e brincava à beira do gramado com seu jogador favorito, o goleiro Bilé. Mas o ainda jovem Edson pronunciava o apelido do goleiro de forma errada, dizendo algo parecido com “Pilé” – por se irritar com as chacotas, o apelido pegou e ele passou a ser chamado Pelé.

Em 1945, Dondinho foi atuar no Bauru Atlético Clube. E foi na cidade no interior de São Paulo que Pelé passou sua infância e onde deu seus primeiros passos no futebol. A família era pobre e Pelé ajudava no orçamento da casa como engraxate de sapatos na estação ferroviária de Bauru. No tempo livre, Dondinho passava horas com seu filho em exercícios – ele ensinou a Pelé a importância de finalizar com os dois pés, a conduzir a bola mais próxima do corpo e a cabecear.

A derrota do Brasil na final da Copa do Mundo de 1950 para o Uruguai causou perplexidade e comoção em todo o país – também na casa da família Arantes do Nascimento. Dondinho acompanhou a partida pelo rádio e derramou lágrimas com o vexame posteriormente apelidado de Maracanaço. “Não se preocupe, pai”, disse Pelé, com nove anos. “Um dia vencerei a Copa do Mundo para você, prometo.” Dondinho morreu em 1996, aos 88 anos, e viu seu filho erguer três vezes a taça Jules Rimet.

Pelé chora no ombro do goleiro Gylmar dos Santos Neves, após o Brasil vencer a final contra a Suécia, por 5 a 2, e conquistar a Copa do Mundo de 1958
Pelé chora no ombro do goleiro Gylmar dos Santos Neves, após a Seleção conquistar a inédita Copa do Mundo, em 1958Foto: picture alliance/AP Photo

Embora menor e mais franzino que seus colegas de escola, Pelé se destacava entre os adultos e frequentemente jogava como goleiro no futebol de rua para equilibrar as equipes – na carreira, Pelé chegou a atuar como goleiro em quatro jogos oficiais pelo Santos: todos vencidos e sem ter sofrido gols.

“Esse é aquele que vai ser o melhor do mundo”

Pelé chegou à Vila Belmiro em 8 de agosto de 1956. “Esse é aquele que falei que vai ser o melhor do mundo”, disse seu descobridor e então treinador Waldemar de Britto – e também ex-jogador da seleção brasileira – ao apresentar o jovem de 15 anos aos dirigentes do clube santista. Mesmo antes de seu primeiro jogo profissional, Pelé atraía multidões que queriam ver o talento do garoto, que pesava 55 quilos e nas fotografias parecia ser a mascote da equipe.

O Santos Futebol Clube foi sua casa por 18 anos, seis meses e 26 dias. Com a camisa do alvinegro praiano, Pelé conquistou duas Taças Libertadores da América, dois Mundiais Interclubes, quatro Torneios Rio-São Paulo, dez Campeonatos Paulistas, além de cinco Taças Brasil e um Torneio Roberto Gomes Pedrosa (estes posteriormente considerados títulos brasileiros pela CBF).

Pelé foi artilheiro do Campeonato Paulista por nove anos consecutivos – no Paulistão de 1958 marcou impressionantes 58 gols em 38 jogos, um recorde provavelmente eterno. No ano seguinte, o Rei do Futebol estabeleceu outra marca que dificilmente será quebrada: 127 gols em uma única temporada.

Pelé possuía um extraordinário repertório técnico à frente de seu tempo e uma extensa coletânea de gols antológicos. Ele era habilidoso, veloz, driblava curto, cabeceava com perfeição (e de olhos abertos), chutava forte e com precisão, lançava como poucos e era exímio cobrador de faltas. Em três temporadas, superou a marca de 100 gols. Assinalou oito gols em um jogo, cinco em seis jogos, quatro em outros 31 jogos e incríveis 92 tripletas.

Tinha um condicionamento físico privilegiado: corria 100 metros em 11 segundos, saltava 1m80 de altura e 6m50 de distância. Além disso, em sua carreira sofreu poucos estiramentos, nenhuma fratura e poucas vezes deixou de jogar por contusão – e isso numa época em que a preparação física não era tão evoluída como atualmente e o jogo era muito mais pegado.

Pelé se despede dos torcedores do Santos, em 2 de outubro de 1974
Depois de 1.281 jogos e 1.091 gols pelo Santos, Pelé se despediu dos torcedores santistas em 02 de outubro de 1974Foto: Imago/ZUMA Press

Pelé atuou em 1.281 jogos pelo Santos e marcou 1.091 gols – mas  sempre afirmou que o mais memorável foi marcado contra o Juventus, em 2 de agosto de 1959. Sem imagens, a jogada foi recriada em computação gráfica com a ajuda de testemunhos: no lance, Pelé aplica quatro chapéus dentro da grande área, incluindo um no goleiro Mão de Onça, antes de cabecear para o gol vazio. Na comemoração nascia sua marca registrada – o soco no ar.

Em 5 de março de 1961, contra o Fluminense de Telê Santana, protagonizou o nascedouro da expressão “gol de placa”, atribuída a um gol de rara beleza. No fim do primeiro tempo, Pelé arrancou com a bola da própria intermediária, driblou seis adversários e finalizou na saída do goleiro Castilho. O Maracanã lotado de torcedores tricolores aplaudiu.

Pelé executa o seu famoso soco no ar ao celebrar um dos seus 95 gols pela seleção brasileira
A marca do “Rei”, o legado de Pelé: com seu célebre soco no ar, ele caracterizava a explosão de alegria de um gol no futebolFoto: Imago/ZUMA Press

O jornalista Joelmir Betting, que na época trabalhava no jornal O Esporte, ficou tão impressionado com o gol que mandou fazer uma placa de bronze para colocar no saguão do Maracanã, com os dizeres: “Neste estádio, Pelé marcou no dia 5 de março de 1961 o tento mais bonito da história do Maracanã”. 

Pelé desfrutou de uma relação muito gloriosa com o Maracanã – o Santos disputou a final da Taça Libertadores de 1963 contra o Boca Juniors, e as decisões dos Mundiais Interclubes de 1962, contra o Benfica, e de 1963, contra o Milan, além de conquistar no Rio de Janeiro as Taças Brasil de 1962, 1964 e 1965, na época, o mais importante torneio do futebol brasileiro.

 

E quis o destino que o mítico estádio fosse também palco do milésimo gol na carreira de Pelé, marcado em 19 de novembro de 1969, contra o Vasco da Gama. Aos 33 minutos do segundo tempo, com o placar em 1 a 1, o zagueiro vascaíno René cometeu um pênalti. Centenas de fotógrafos e cinegrafistas se aglomeraram atrás da meta de Andrada para registrar o momento histórico.

Pelé cobrou com o pé direito no canto esquerdo e foi buscar a bola no fundo das redes. Rodeado pelos repórteres que invadiram o campo, Pelé aproveitou o momento para dar voz às crianças carentes no Brasil. “Pensem no Natal. Pensem nas criancinhas”, disse. “Ajudemos às crianças desafortunadas, que precisam do pouco de quem tem muito.”

Pelé parou guerra e “expulsou” árbitro

O lendário Santos da década de 1960 – que contava ainda com grandes atletas como Gylmar dos Santos Neves, Mauro Ramos de Oliveira, Lima, Zito, Dorval, Mengálvio, Pagão, Pepe, Coutinho, Toninho Guerreiro, Edu e Clodoaldo – fez inúmeras excursões mundo afora. Em 1967, as duas facções envolvidas na guerra civil da Nigéria acertaram um cessar-fogo de 48 horas para que todos pudessem assistir ao Rei do Futebol num jogo de exibição em Lagos.

Outro caso curioso ocorreu em 17 de julho de 1968, em mais um giro do Santos pela América do Sul. O alvinegro santista vencia a seleção olímpica colombiana, em Bogotá, pelo placar de 4 a 2, quando o árbitro Guilhermo Velásquez expulsou Pelé. Revoltados e indignados, os torcedores presentes no Estádio El Campin exigiram a volta do “Rei” ao campo e a retirada do juiz – o que acabou acontecendo para alegria dos torcedores colombianos.

A gloriosa união de Pelé com o Santos chegou ao fim em 2 de outubro de 1974. O “Rei” viria ainda a atuar por três temporadas pelo Cosmos, de Nova York, onde conquistou a liga americana em 1977 – mesmo ano em que se despediu definitivamente dos gramados, em 1º de outubro, num amistoso entre as duas camisas que defendeu profissionalmente: Cosmos e Santos.

Pelé recebe flores de crianças em sua despedida do futebol, em 1977, ao lado de seus colegas de Cosmos, Carlos Alberto Torres e Franz Beckenbauer, e da lenda do boxe Muhammad Ali
Pelé pendura as chuteiras em 1977 pelo Cosmos, sob olhares de Franz Beckenbauer, Carlos Alberto Torres e Muhammad AliFoto: picture-alliance/dpa/Mehmet Biber

Pelé colocou o Santos entre os grandes clubes da história do futebol mundial, mas foi com a seleção brasileira que Pelé catapultou ao status de inigualável. Num mundo infinitamente menos midiático do que o atual, o mito do Rei do Futebol se consolidou principalmente com as atuações em Copas do Mundo e números irrepreensíveis.

A imortalização da camisa 10 da Seleção

Pelé estreou pela Seleção em 7 de julho de 1957 – com gol – e defendeu a Amarelinha até 18 de julho de 1971. Nestes 14 anos, conquistou três Copas do Mundo e duas Copas Rocca. Ele disputou 14 jogos em Copas e venceu 12 – empate sem gols com a então Tchecoslováquia, em 1962 (jogo em que se lesionou) , e derrota de 3 a 1 para Portugal, em 1966, quando foi caçado em campo e atuou lesionado – e marcou 12 gols.

Além disso, ele carrega a marca de nunca ter perdido um jogo pela Seleção ao lado de outra lenda do futebol brasileiro. Com Mané Garrincha, foram 40 jogos com 36 vitórias e quatro empates. E até hoje Pelé é o jogador mais jovem campeão mundial (17 anos, oito meses e seis dias) e o mais jovem a marcar um gol pelo Brasil (16 anos, oito meses e 15 dias).

Até pouco tempo atrás, era o maior artilheiro da Seleção, com incríveis 95 gols em 114 partidas (nesta conta estão incluídos 77 gols em jogos oficiais e 18 em não oficiais). Neymar acaba de igualar a marca de 77 gols, na partida entre Brasil e Croácia nas quartas de final da Copa do Mundo do Catar.

Em 21 anos de carreira, Pelé disputou 1.363 jogos e marcou irrepreensíveis 1.281 gols – o maior artilheiro da história do futebol profissional, o único jogador tricampeão mundial. Aclamado como “Rei do Futebol” durante a carreira, Pelé foi condecorado Atleta do Século pelo jornal francês L’Équipe, em 1981, pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), pela agência de notícias Reuters, revista France Football e Unicef, em 1999, e pela Fifa, em 2000.

Pelé ergue a taça Jules Rimet no Estádio Azteca, depois de a seleção brasileira derrotar a Itália na final da Copa do Mundo de 1970, por 4 a 1
No auge de sua glória: Pelé ergue a taça Jules Rimet, conquistada em definitivo pelo Brasil com o título da Copa de 1970Foto: AP

Genial dentro de campo, Pelé se manteve sob os holofotes também fora das quatro linhas, porém, às vezes, não com a mesma habilidade. O eterno Camisa 10 não usou seu status de ídolo nacional para criticar a ditadura militar no Brasil, nem para lutar por melhorias no futebol brasileiro.

“Fui covarde quando jogava. Só me preocupava com a evolução da minha carreira”, ele se desculparia, décadas depois, na época em que foi ministro dos Esportes durante o primeiro governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

 

Gênio em campo; mas, fora, nem tanto

Sua carreira gerou enormes dividendosMas nem sempre foi assim. Os ordenados de jogadores profissionais na sua época não eram comparáveis com os atuais. Em 1965, por exemplo, sua empresa, Sanitária Santista, faliu, e Pelé chegou a ficar numa situação financeira restritiva.

Mas também poderia ter sido diferente: o Santos recebeu propostas milionárias de clubes europeus interessados na revelação da Copa do Mundo de 1958 – especialmente de italianos – e recusou todas. Em 1961, preocupado com a evasão de jogadores brasileiros, o então presidente do Brasil, Jânio Quadros, declarou Pelé como “tesouro nacional” para impedir sua “exportação” ao Velho Continente.

De fato, Pelé começou a ganhar muito dinheiro só a partir de 1969, inclusive por meio de bons contratos de publicidade – ele soube usar sua imagem e se transformou no primeiro jogador de futebol garoto-propaganda universal.

A marca Pelé, mesmo mais de 45 anos após ele ter pendurado as chuteiras, alcançou um valor estimado de 600 milhões de reais. Pelé cedeu sua imagem para mais de cem marcas e produtos e, até o último dia de sua vida, participou de campanhas publicitárias, eventos e palestras mundo afora. Calcula-se que somente com a Copa do Mundo no Brasil Pelé tenha lucrado entre R$ 50 milhões e 70 milhões com contratos publicitários.

Famoso por emitir frases polêmicas, Pelé soltou expressões como “brasileiro não sabe votar”, durante o regime militar, ou em 2013 a reflexão sobre os gastos exacerbados e obscuros com a organização do Mundial no Brasil: “Faltam 10 meses para começar a Copa. Não vai dar tempo para ver o que foi gasto. Então vamos aproveitar para arrecadar com turismo e compensar o dinheiro que foi roubado dos estádios.”

Pelé aproveitou bem os anos seguintes à sua aposentadoria dos gramados. No início da década de 1980, o Rei do Futebol namorou por seis anos a “Rainha dos Baixinhos”, Xuxa Meneghel. Na mesma época, Pelé se aventurou na televisão e no cinema: o mais notório trabalho cinematográfico foi o filme Fuga para a Vitória, de 1981, no qual contracenou com Sylvester Stallone e Michael Caine e que relata a vida de prisioneiros num campo de concentração nazista – e sua tentativa de fuga durante uma partida de futebol.

Pelé posa com colegas de gravação do filme
Pelé, entre Bobby Moore (esq.) e Michael Caine e abaixo de Sylvester Stallone, combateu os nazistas em “Fuga para a Vitória”Foto: picture alliance/Mary Evans Picture Library

Nesta época nasceu também a relação de amor e ódio com o argentino Diego Maradona – e a efêmera discussão sobre quem é o melhor jogador de todos os tempos. O que começou como idolatria – “Houve apenas um Pelé. Os demais vieram em seguida.” (Maradona, antes do Mundial do México, em 1986) – transformou-se numa rixa infantil. “Pelé estreou com um garoto”, disse o polêmico craque argentino em 1997, insinuando que Pelé teria tido sua primeira relação sexual com um menino.

Pelé vs. Maradona: um debate irracional

As constantes comparações com Maradona magoavam Pelé, sobretudo quando partiam de seus compatriotas. “Sou brasileiro! Maradona eMessi só chutam de esquerda.”

A rejeição por alguns brasileiros parece ter menos a ver com futebol, mas com conservadorismo de Pelé fora de campo – sua provavelmente maior contribuição social foi a criação da Lei Pelé, quando era ministro do Esporte. A Lei Pelé instituiu o fim do passe de jogadores nos clubes, instituiu o direito do consumidor nos esportes e disciplinou a prestação de contas de dirigentes esportivos. Mas críticos afirmam que a lei coloca os jogadores à mercê dos empresários.

Pelé e Maradona não podiam ser personagens mais antagônicos. Pelé foi recebido com pompas por diversos presidentes dos EUA e pelo reservado papa Paulo 6º e foi embaixador do Unicef, enquanto Maradona esteve envolvido em diversos escândalos com drogas e nunca escondeu seu desprezo por Washington e sua idolatria pelos revolucionários cubanos Che Guevara e Fidel Castro.

Pelé e Diego Maradona se cumprimentam sorrindo em evento de patrocinador na Eurocopa de 2016, na França
Diego Maradona e Pelé: uma relação nem sempre harmoniosa como neste cumprimento na França, na Eurocopa de 2016Foto: Reuters//C. Platiau

Mas foi em bate-boca com outro craque do futebol brasileiro que ele recebeu o estigma “Pelé calado é um poeta”. Em 2005, Pelé sugeriu que Romário se aposentasse do futebol. O “Baixinho” respondeu com a frase emblemática e sendo artilheiro daquele Campeonato Brasileiro. Anos mais tarde, Pelé chamou o então deputado Romário de ignorante, mas que, por ele, Pelé, ser católico, o perdoava.

Sandra Regina, seu maior gol contra

O craque da Copa de 94 não deixou por menos: “Antes, dizia que ele, calado, era um poeta. Agora, digo que é um boçal. Pelé não é católico. Ele nem assumiu a filha que morreu em 2006. Nem foi ao funeral dela.”

Romário se referia a Sandra Regina Machado, uma das duas filhas que Pelé teve em relacionamentos fortuitos. Além delas, teve outros cinco filhos: três em seu primeiro casamento – incluindo o ex-goleiro Edinho, condenado a 12 anos e 10 meses por lavagem de dinheiro proveniente do tráfico de drogas – e um casal de gêmeos no segundo matrimônio.

A batalha judicial de seis anos de reconhecimento de paternidade é a grande mancha na vida de Pelé. Em 1996, Sandra foi reconhecida como filha pela Justiça e autorizada a usar o sobrenome Arantes do Nascimento, mas a relação continuou distante. Pelé não visitou a filha no leito de morte em 2006, não participou do velório e não foi ao enterro. Apenas mandou uma coroa de flores, em nome de suas empresas. A vereadora de Santos morreu de câncer de mama.

Pelé nunca escondeu seu aborrecimento por Sandra ter procurado a Justiça antes de ter se entendido com ele. Na mesma época do processo, Pelé assumiu outra filha. Ao contrário de Sandra, Flávia Kurtz foi aceita e recebeu ajuda financeira. Em entrevistas, Pelé afirmou ter ajudado Flávia porque ela não havia pedido nada, apenas queria conhecê-lo. Pelé disse ter conhecido Flávia em 1994 e que deu uma pensão de mil dólares mensais até 2000 – a paternidade só se tornou pública em 2002.

Pelé finaliza de bicicleta durante um amistoso contra a Bélgica, em 1965, no Maracanã
A arte de dominar com maestria, a elegância e a plasticidade do jogo bonito foram os grandes trunfos de Pelé no futebolFoto: AP

O que disseram sobre o mito

“O maior jogador de futebol do mundo foi Di Stéfano. Eu me recuso a classificar Pelé como jogador. Ele está acima de tudo” – Ferenc Puskas, craque da Hungria.

“Se Pelé não tivesse nascido homem, teria nascido bola. Até a bola pedia autógrafo para Pelé” – Armando Nogueira, cronista esportivo brasileiro.

“Posso ser um novo Di Stéfano, mas não posso ser um novo Pelé. Ele é o único que ultrapassa os limites da lógica” – Johan Cruyff, craque da Holanda.

“Eu pensei: ‘Ele é feito de carne e osso como eu’. Eu me enganei” – Tarcisio Burgnich, zagueiro italiano que marcou Pelé na final da Copa do Mundo de 1970.

“Maradona só será um novo Pelé quando ele ganhar três Copas do Mundo e marcar mais de mil gols” – César Luis Menotti, técnico campeão mundial pela Argentina em 1978.

“Quando vi Pelé jogar, fiquei com a sensação de que eu deveria pendurar as chuteiras” – Just Fontaine, atacante francês e maior artilheiro de uma única edição de Copa do Mundo.

“O difícil, o extraordinário não é fazer mil gols, como Pelé. É fazer um gol como Pelé” – Carlos Drummond de Andrade, poeta brasileiro.

“Muito prazer, sou o presidente dos EUA. Você não precisa se apresentar, porque Pelé todo mundo sabe quem é” – Ronald Reagan, ex-presidente dos EUA.

“Pelé foi um jogador excepcional, estupendo. Nós, brasileiros, devemos dar graças a Deus por ele ter nascido aqui” – Zico, craque brasileiro.

“Em alguns países, as pessoas queriam tocá-lo, em outros, queriam beijá-lo. Em outros até beijaram o chão que ele pisava. Eu achava tudo isso maravilhoso” – Clodoaldo, companheiro de Santos e seleção brasileira.

“Se eu pudesse, me chamaria Edson Arantes do Nascimento Bola. Seria a única maneira de agradecer o que ela fez por mim” – Pelé, em janeiro de 1974, falando sobre a importância do futebol em sua vida.

A carreira de Pelé em imagens

Trajetória do Rei do Futebol e eterno camisa 10 foi recheada de títulos e recordes, com passagens pelo Santos, Cosmos e a Seleção.

Foto: picture-alliance/AP Photo

Pelé carregado dentro do estádio

Fidelidade ao Santos

A carreira profissional de Pelé começou no Santos quando ele tinha 15 anos. E ali ele ficou praticamente toda sua carreira. Competições internacionais levaram Pelé e seu clube a jogar pela América e na Europa, conquistando corações de torcedores de todo o mundo.

Foto: picture alliance/AP Images/J. Duricka

Pelé jogando com o uniforme do Santos

De novato a estrela

Pelé brilhou na Copa do Mundo de 1958, na Suécia. Então com 17 anos, ele fez sua estreia na terceira partida da seleção brasileira, contra a União Soviética, tornando-se o jogador mais jovem num Mundial de Futebol. Ele marcou três gols contra a França pelas semifinais e dois na final sobre a Suécia, que terminou em 5 x 2. No final da competição, Pelé havia marcado seis gols em quatro jogos.

Foto: picture-alliance/dpa

Pelé com a camisa da seleção brasileira em 1958

Talento espetacular

Pelé chama o futebol de “o jogo bonito”, e é exatamente assim que ele gostava de jogá-lo. Pelé geralmente atuou no ataque, combinando velocidade, criatividade e as mais altas habilidades técnicas – habilidades estas que tornaram quase impossível seus adversários detê-lo por qualquer meio permitido. Mas Pelé também tem um talento para o espetacular, como demonstram seus muitos gols de bicicleta.

Foto: AP

Pelé fazendo chute de bicicleta

Lesão decisiva para a seleção

Quatro anos depois de conquistar seu segundo título mundial no Chile em 1962, a seleção canarinho viajou com grandes esperanças para a Copa da Inglaterra. Pelé fez um gol de falta contra a Bulgária, tornando-se o primeiro jogador a marcar em três Copas consecutivas. Mas seus adversários fizeram de tudo para neutralizá-lo. Pelé acabou machucado, e o Brasil foi eliminado ainda na rodada preliminar.

Foto: picture-alliance/dpa

Pelé lesionado em campo no jogo contra Portugal em 1966

Terceiro título do Brasil

A Copa de 1970, no México, foi seu terceiro e último Mundial. O Brasil conquistou o título e, após a vitória final no Estádio Asteca, os companheiros de equipe carregaram Pelé sobre os ombros. O terceiro triunfo na Copa do Mundo significou ao Brasil poder ficar com o troféu Jules Rimet para sempre. Pelé acabou o torneio com quatro gols e ganhou a Bola de Ouro como melhor jogador.

Foto: picture-alliance/AP Photo

Pelé sem camisa carregado nos ombros colegas da equipe em um estádio

Adeus, seleção

Pelé jogou sua 97ª e última partida internacional pelo Brasil em 18 de julho de 1971 diante de mais de 100 mil torcedores no Maracanã, no Rio de Janeiro. Então com 30 anos, Pelé ainda jogaria por clubes por mais alguns anos, mas não vestiria mais o uniforme canarinho.

Foto: picture-alliance/dpa/MTI Laszlo Almasi

Pelé disputa a bola em jogo contra a Iugoslávia em 1971 no Maracanã

O “rei” na terra do “soccer”

Em 1974, Pelé anunciou sua aposentadoria do futebol, mas um ano depois ele seguiu a chamada do dinheiro e foi para o Cosmos de Nova York. Pelé enfrentava dificuldades financeiras porque parceiros comerciais duvidosos haviam desmantelado seu patrimônio. Ele jogou na liga americana por três anos, algumas vezes ao lado do “Kaiser” Franz Beckenbauer.

Foto: picture-alliance/ASA/P. Robinson

Pelé em atuação pelo Cosmos nos Estados Unidos

Encerramento em Nova York

A partida final de Pelé pelo Cosmos foi em 1º de outubro de 1977 no Estádio Giants, de Nova York, contra seu clube de origem, o Santos. Ele jogou meio tempo em cada equipe. A televisão americana transmitiu o evento ao vivo, acompanhado de um show glamouroso. Beckenbauer (no centro) e outros grandes atletas, como Muhammad Ali (à direita) estavam presentes.

Foto: picture-alliance/dpa/Mehmet Biber

Pelé recebendo coroa de flores de crianças em estádio sob os olhos de Beckenbauer e Muhammad Ali

Pelé em Hollywood

Em 1981, Pelé (na primeira fileira) atuou no filme “Fuga para a vitória” , dirigido por John Huston. Ele representou um prisioneiro de guerra aliado que joga com sua equipe contra uma seleção da Wehrmacht alemã. No elenco estavam ainda grandes nomes de Hollywood, como Michael Caine e Sylvester Stallone.

Foto: picture alliance/Mary Evans Picture Library

Equipe de jogadores posa para foto no filme  "Fuga para a vitória"

Ministro de FHC

Depois de encerrar a carreira em campo, Pelé assumiu uma série de outras tarefas: em 1994, foi nomeado embaixador da Unesco. Um ano depois, o presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso o nomeou ministro extraordinário do Esporte. Pelé propôs uma lei para dar mais transparência e profissionalismo ao futebol brasileiro, que ficou conhecida como “Lei Pelé”.

Foto: picture-alliance/dpa

Pelé abraça Fernando Henrique Cardoso

Pelé, pai de família

Pelé casou-se três vezes e teve vários filhos. Um deles, Edinho (na foto) também se tornou jogador profissional de futebol, como goleiro do Santos. Ele no entanto entrou em conflito com a lei e foi condenado a 12 anos de prisão por lavagem de dinheiro oriundo do tráfico de entorpecentes.

Foto: picture-alliance/dpa/R. Setton

Pelé com seu filho Edinho

Saúde abalada

Nos últimos anos, Pelé lutou contra problemas físicos e doenças. Em 2012, passou por uma cirurgia no quadril, mas os problemas voltaram. Além de pedras nos rins, que o levaram a uma cirurgia de emergência em Paris em abril de 2019, o Rei do Futebol foi diagnosticado com câncer no cólon em setembro de 2021. No início de 2022, teve diagnosticadas metástases no intestino, no pulmão e no fígado.

Foto: Instagram@PELE/REUTERS

Pelé num hospital em São Paulo

Aos 80, aniversário sem grande festa

Por causa da pandemia de covid-19, não foram possíveis grandes festejos pela passagem de seus 80 anos em 23 de outubro de 2020. Em sua casa, em Santos, Pelé disse: “Agradeço a Deus pela saúde de chegar aqui lúcido… não muito inteligente, mas lúcido”.

Foto: Getty Images/AFP/F. Fife

Pelé de paletó colocando fone de ouvido na orelha

Adeus ao Rei

Pelé morreu em 29 de dezembro de 2022, aos 82 anos de idade, em decorrência de um câncer de cólon. Ele estava internado em São Paulo.

Fonte : DW

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