Como evitar que ‘gângsteres digitais’ roubem seu tempo

Como evitar que ‘gângsteres digitais’ roubem seu tempo

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Eva OntiverosBBC Capital
Adolescentes com smartphonesDireito de imagemGETTY IMAGESImage captionSmartphones fornecem cronograma inconsistente de estímulos – o que pode tornar difícil colocá-los de lado

Você sente dificuldade em se concentrar em apenas uma única tarefa? Você não é o único.

Estatísticas mostram que o ritmo com que usuários de serviços de download de músicas, como o Spotify, mudam de faixas nunca foi tão rápido. Artigos de revistas agora vêm com tempos de leitura estimados.

E quase um quarto das pessoas que participaram de uma pesquisa britânica disseram que se envolveram em acidentes enquanto caminhavam distraídas: de cabeça baixa, olhando para seus celulares, esbarrando em postes de iluminação.

Parece que estamos diante de uma crise de distração, mas será que existe cura para isso? E quem está roubando nosso foco?

Roubando nossa concentração?

Redes sociais, publicidade direcionada, YouTube, aplicativos: grandes empresas de tecnologia aprenderam a monetizar a procrastinação e estão roubando nossa atenção sistematicamente e em escala industrializada.

“Existe uma indústria inteira dedicada a roubar nossa atenção, e a maioria de nós nem percebe que isso está acontecendo”, diz a britânica Belinda Parmar. De tão preocupada com os efeitos da tecnologia em nossa saúde mental, ela se tornou uma ativista e vem pregando contra o vício digital ao qual muitos de nós sucumbimos.

“A indústria de tecnologia continua prometendo aproximar o mundo, mas na verdade o principal alvo deles é tirar tempo de nós”, diz ela, observando que algumas empresas, como a Netflix, nem sequer disfarçam.

“Quando Reed Hastings, CEO da Netflix, diz que seu maior concorrente é o sono, precisamos parar e pensar sobre isso”, diz Parmar, “se você sofre com a falta de sono, como vai prestar atenção na vida?”

Parmar, agora CEO da The Empathy Business, reconhece que a tecnologia tem muitos aspectos positivos, mas ressalta o que chama de seu “lado negro”.

Outra pessoa que mudou sua opinião sobre a tecnologia é James Williams, um ex-funcionário do Google que percebeu que os objetivos das grandes empresas do setor não estavam de acordo com seus próprios valores.

Seu foco, diz ele, era maximizar os cliques, as visualizações e a quantidade de tempo que as pessoas interagiam com os produtos. Mas, imerso em tanta tecnologia, William afirma que era impossível encontrar espaço para reflexão.

Ele compara os usuários da tecnologia a escravos e as grandes empresas de tecnologia aos senhores de engenho. Hoje, ele diz, “a servidão não envolve mais o trabalho físico, mas a nossa atenção”.

Apesar de muitos produtos digitais serem gratuitos, eles estão levando embora nosso recurso mais precioso: o tempo.

Experimento com pombosDireito de imagemGETTY IMAGESImage captionDois pombos em uma caixa desenvolvida pelo psicólogo BF Skinner são estudados como parte de pesquisa sobre condicionamento operante

Distração

Tim Wu, professor da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, e autor do livro The Attention Merchants: The Epic Scramble to Get Inside Our Heads (‘Os Mercadores de Atenção: A Disputa Épica para Entrar Dentro de Nossas Mentes’, em tradução livre), diz que a necessidade de checar nossos telefones constantemente se deve ao que estudiosos chamam de “sistema de recompensa variável”.

Burrhus Frederic Skinner, um famoso psicólogo e professor da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, foi quem cunhou o termo depois de realizar uma série de experimentos. Ele mostrou que os pombos se tornam mais viciados em bicar um botão que expele sementes se eles não sabem quando as sementes serão expelidas.

Os estímulos inconsistentes de recompensas são considerados como os mais viciantes, diz Wu, assim como uma máquina caça-níqueis. Então, exatamente como os pombos, estamos a todo o momento olhando nossos celulares, à procura de recompensas. Algumas vezes, ficamos desapontados. Mas em outras, nos deparamos com algo que nos empolga, como uma boa reportagem, por exemplo, e isso nos faz grudar os olhos na tela novamente.

“Sendo assim, você acaba perdendo horas do seu dia, dias da sua semana, meses de sua vida com coisas que você nem se importava antes”, diz ele.

Então, existe uma maneira de impedir que nossas mentes se distraiam?

Voltando no tempo

Nir Eyal, um autor de best-sellers que estuda a formação de hábitos e especialista em comportamento do consumidor, conhece todos os truques que as empresas de tecnologia usam para chamar nossa atenção. Curiosamente, Eyal costumava ensiná-los às companhias.

Segundo o especialista, para recuperar seu tempo e sua concentração, é preciso uma boa dose de esforço pessoal. Trata-se de uma tarefa que, na sua visão, cabe aos indivíduos, porque “o nosso governo não vai nos salvar, nem as empresas de tecnologia”.

Eyal desenvolveu um plano de quatro passos para evitar se distrair com a tecnologia.

Passo 1 – Gerencie seus gatilhos internos: Quando estamos distraídos, normalmente estamos procurando fugir de algo desconfortável. Tente descobrir o que é e gerenciá-lo.

Passo 2 – Tempo para distração: Reserve tempo no seu dia para se distrair – dessa forma, não vai sentir que está perdendo seu tempo. Estabeleça uma hora definida para interagir nas redes sociais, por exemplo.

Passo 3 – Elimine os gatilhos externos: Desligue suas notificações.

Passo 4 – Reflita sobre o tempo que você gasta no telefone. Use, por exemplo, um app que mostre quantas horas você passou com os olhos grudados na tela. O elemento-chave é a autoconsciência: quando você percebe que está sendo distraído pelo seu telefone ou tablet, vai começar a colocá-lo de lado.

Isolamento?

Crianças e adultos se tornaram “cada vez mais dependentes de seus celulares às custas de nossas interações”, diz Susan Maushart, uma jornalista australiana e mãe que diz ter ficado surpresa com a obsessão de sua família por tecnologia.

“A tecnologia estava afetando a maneira como minha família interagia”, diz ela.

Maushart tomou uma decisão radical. Ela proibiu os dispositivos dentro de casa e a família viveu offline entre quatro paredes por seis meses.

Belinda ParmarDireito de imagemDAN BRIDGEImage captionBelinda Parmar tornou-se ativista contra vício em tecnologia após preocupações sobre seus efeitos em nossa saúde mental (Crédito: Dan Bridge)“Queria que minha família fizesse contato visual e conversasse. Queria que todo mundo se sentasse em volta da mesa de jantar e não comesse rápido para que pudesse voltar a trocar mensagens e assistir a vídeos no YouTube. Queria minha família de volta”, diz Maushart.

Mas funcionou? De fato, os membros da família passaram a conversar mais uns com os outros, mas também ficaram muito entediados, diz ela. Apesar de a experiência tê-la feito repensar seu relacionamento com os dispositivos tecnológicos, depois de seis meses ela estava pronta para voltar a usá-los. Maushart admite que no dia em que ela ligou os aparelhos novamente parecia que havia ganhado um presente de Natal.

Então, se viver completamente offline não funciona, o que mais podemos fazer?

Mudança individual

James Williams diz acreditar que a chave para resolver o problema é criar um novo sistema ético que possa governar a “indústria da atenção”.

“Se nossa ética e nossos valores não estão orientando o design da tecnologia, então outra coisa está”, diz.

Com isso em mente, William criou um grupo chamado Time Well Spent (Tempo bem gasto, em tradução livre) – juntamente com outros críticos da indústria da atenção – e está fazendo campanha para que as empresas de aplicativos mudem a maneira como projetam seus produtos.

“Essas empresas dizem que querem melhorar nossas vidas, mas o que estão tirando de nós é muito mais precioso do que qualquer outra coisa no mundo”, diz ele.

Mas e se a atenção não for uma mercadoria a ser comprada e vendida, mas algo sobre a qual tenhamos controle? Talvez não sejam as indústrias de tecnologia que precisam mudar, mas sim nós.

“Você nunca terá essa oportunidade”, diz Belinda Parmar, que viu em primeira mão o efeito que o vício em tecnologia tem na saúde mental, especialmente em crianças e jovens adultos.

“Você está tentando fazer o que acha ser uma escolha bem informada… mas você não sabe que por trás de cada aplicativo há uma equipe de desenvolvedores, psicólogos e especialistas em jogos cujo único objetivo é roubar sua atenção”, argumenta.

“Você não pode lutar sozinho, especialmente se for criança. Como podemos lutar contra esses bandidos digitais?”

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